Egidio, o
chefe italiano sósia de Frank Zappa
Egidio é
uma figuraça. Magro e nariz comprido, cavanhaque e bigode muito pretos, lembra
o guitarrista americano Frank Zappa. Estava sozinho no salão, no meu primeiro dia,
aguardando o check in abrir, quando ele passou por mim, puxou papo. “De Porto
Alegre?”, diz ele. “É gaúcho!, eu também sou gaúcho!”, tentando me convencer
que era brasileiro. “Somos os dois únicos gaúchos aqui”, me apontando um grande
quadro acima da entrada da cozinha “Taqueria GAUCHO’S”.
E gídio é
de Roma e está fora da Itália há anos, pulando de lugar em lugar. Veio a San
Francisco e ficou hospedado no Green Tortoise na primeira vez. Depois voltou
mais meia dúzia de vezes, sempre ficando lá, até que um dia substituiu o cozinheiro, foi
contratado e não saiu mais. Na sua cozinha há fotos de Fran Zappa espalhadas
pelas paredes e portas. Ele diz que não é tão fã assim de Frank Zappa, é só
coincidência o similaridade. Enquanto cozinha e limpa escuta rock antigo, como
Kiss, Led Zeppelin, AC~DC. Durante um café da manhã ele sobe no palco para
pedir que não desperdicem comida, pois muita gente se serve demais e acaba
jogando fora bagels inteiros. Quando está de bom humor, canta, normalmente em
espanhol ou italiano.
Três vezes
por semana há jantar grátis no albergue, e os hóspedes são bem-vindos se
quiserem ajudar na cozinha. Me interessei, mas como não gostaria de ter que
lidar com carne, me esquivei. O menu foi comida mexicana: guacamole, tortillas,
salsa picante, feijão refrito, feijão normal
e salada. Tudo ótimo, e sem carne.
Então na
segunda noite de jantar me voluntariei. O tema era comida indiana: curry
picante de grão de bico e curry de vegetais. Mais 4 ou 5 pessoas estão lá. Tive
tarefas variadas: cortei inhame em cubos, lavei toda a louça usada para a
preparação dos alimentos, e fiquei responsável por mexer o curry de vegetais
enquanto ele vinha adicionar mais ingredientes. Depois de uma hora mexendo a
colher de ferro, ganhei um belo calo. A comida estava totalmente excelente. Mas
o mais impressionante foi o talento de Egidio em reger a cozinha, dividindo as
tarefas de acordo com seu feeling, pois cada um ali tem níveis de habilidade
culinária diferentes (notei que os menos experientes lidam apenas com a salada). O jantar é sempre um evento. Cerca de 60 ou
70 pessoas no salão. Antes de servirmos a mesa,
alguém chama os nomes dos voluntários para agradecer pela participação, até que se cite Egidio,
aplaudido sempre no final.
Entre esse
jantar e o outro, me acostumo a ajudar pela cozinha: lavando pratos, preparando
o salão, recolhendo as bandejas de comida no final, e assim vou conversando
mais com Egidio, que me diz que sou como ele, e que deveria era ficar na
cidade, sugerindo que eu deveria ficar de olhos abertos para as oportunidades.
Quando
chego para ajudar no meu segundo jantar (comida italiana), há menos
voluntários, portanto mais trabalho. Como já estou com mais intimidade com a
cozinha, tudo flui melhor. Fazemos penne com molho de tomate e legumes, e pão
com alho. Apenas para o pessoal da cozinha, fazemos bruschetta. Uma mulher toca
pela quinquagésima vez fur Elise ao piano. Egidio quase perde a paciência,
dizendo que vai pedir pra ela parar. O trabalho é contínuo, cortar tomates em
cubos para o molho, cortar tomates em pedacinhos para a bruschetta, cortar
cebola, lavar panelas, facas e talheres, cortar os pães, colocar os pães no
forno, fazer a mesa, abrir latas, misturar a massa com o molho, etc, mas o
ambiente é relaxado e divertido, com um
alemão, um catalão, francesa e um brasileiro sendo guiados por um chef
italiano. Ganho calos e uma queimadura que devo levar de recordação, mas vale
muito a pena a experiência de ajudar a cozinhar pra dezenas de pessoas.
No dia em
que vou embora, Egidio se senta à minha mesa com papel e caneta nas mãos e diz
que vai me escrever “una lettera”. É a receita de curry de grão de bico que lhe
pedi no dia anterior.
Luvas e tênis combinando |
Alemão e brasileiro fazem prato italiano |
Frank Zappa e eu |
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