terça-feira, 31 de julho de 2012

San Francisco (parte 3) Egidio, o chefe italiano sósia de Frank Zappa


Egidio, o chefe italiano sósia de Frank Zappa
Egidio é uma figuraça. Magro e nariz comprido, cavanhaque e bigode muito pretos, lembra o guitarrista americano Frank Zappa.  Estava sozinho no salão, no meu primeiro dia, aguardando o check in abrir, quando ele passou por mim, puxou papo. “De Porto Alegre?”, diz ele. “É gaúcho!, eu também sou gaúcho!”, tentando me convencer que era brasileiro. “Somos os dois únicos gaúchos aqui”, me apontando um grande quadro acima da entrada da cozinha “Taqueria GAUCHO’S”.

E gídio é de Roma e está fora da Itália há anos, pulando de lugar em lugar. Veio a San Francisco e ficou hospedado no Green Tortoise na primeira vez. Depois voltou mais meia dúzia de vezes, sempre ficando lá, até que  um dia substituiu o cozinheiro, foi contratado e não saiu mais. Na sua cozinha há fotos de Fran Zappa espalhadas pelas paredes e portas. Ele diz que não é tão fã assim de Frank Zappa, é só coincidência o similaridade. Enquanto cozinha e limpa escuta rock antigo, como Kiss, Led Zeppelin, AC~DC. Durante um café da manhã ele sobe no palco para pedir que não desperdicem comida, pois muita gente se serve demais e acaba jogando fora bagels inteiros. Quando está de bom humor, canta, normalmente em espanhol ou italiano.


Três vezes por semana há jantar grátis no albergue, e os hóspedes são bem-vindos se quiserem ajudar na cozinha. Me interessei, mas como não gostaria de ter que lidar com carne, me esquivei. O menu foi comida mexicana: guacamole, tortillas, salsa picante, feijão refrito, feijão normal  e salada. Tudo ótimo, e sem carne.
Então na segunda noite de jantar me voluntariei. O tema era comida indiana: curry picante de grão de bico e curry de vegetais. Mais 4 ou 5 pessoas estão lá. Tive tarefas variadas: cortei inhame em cubos, lavei toda a louça usada para a preparação dos alimentos, e fiquei responsável por mexer o curry de vegetais enquanto ele vinha adicionar mais ingredientes. Depois de uma hora mexendo a colher de ferro, ganhei um belo calo. A comida estava totalmente excelente. Mas o mais impressionante foi o talento de Egidio em reger a cozinha, dividindo as tarefas de acordo com seu feeling, pois cada um ali tem níveis de habilidade culinária diferentes (notei que os menos experientes lidam  apenas com a salada).  O jantar é sempre um evento. Cerca de 60 ou 70 pessoas no salão. Antes de servirmos a mesa,  alguém chama os nomes dos voluntários para agradecer  pela participação, até que se cite Egidio, aplaudido sempre no final.


Entre esse jantar e o outro, me acostumo a ajudar pela cozinha: lavando pratos, preparando o salão, recolhendo as bandejas de comida no final, e assim vou conversando mais com Egidio, que me diz que sou como ele, e que deveria era ficar na cidade, sugerindo que eu deveria ficar de olhos abertos para as oportunidades.

Quando chego para ajudar no meu segundo jantar (comida italiana), há menos voluntários, portanto mais trabalho. Como já estou com mais intimidade com a cozinha, tudo flui melhor. Fazemos penne com molho de tomate e legumes, e pão com alho. Apenas para o pessoal da cozinha, fazemos bruschetta. Uma mulher toca pela quinquagésima vez fur Elise ao piano. Egidio quase perde a paciência, dizendo que vai pedir pra ela parar. O trabalho é contínuo, cortar tomates em cubos para o molho, cortar tomates em pedacinhos para a bruschetta, cortar cebola, lavar panelas, facas e talheres, cortar os pães, colocar os pães no forno, fazer a mesa, abrir latas, misturar a massa com o molho, etc, mas o ambiente é  relaxado e divertido, com um alemão, um catalão, francesa e um brasileiro sendo guiados por um chef italiano. Ganho calos e uma queimadura que devo levar de recordação, mas vale muito a pena a experiência de ajudar a cozinhar pra dezenas de pessoas.


No dia em que vou embora, Egidio se senta à minha mesa com papel e caneta nas mãos e diz que vai me escrever “una lettera”. É a receita de curry de grão de bico que lhe pedi no dia anterior.

Luvas e tênis combinando
Alemão e brasileiro fazem prato italiano

Frank Zappa e eu

segunda-feira, 23 de julho de 2012

San Francisco (parte 2)



Green Tortoise
Quando viajei para os Estados Unidos há 13 anos, fiquei apenas em San Diego e arredores, mas o plano inicial era San Francisco, que nunca cheguei a visitar nesse tempo todo, mas que sempre ficou na minha cabeça. Assim como Nova York e Paris, a gente vê San Francisco em filmes, ouve em músicas, lê e cria uma ideia da cidade, e normalmente essa ideia está correta, por mais que tenhamos a tendência de romantizar a coisa toda. E no primeiro dia caminhando pelas suas famosas e íngremes ladeiras já admitia que San Francisco era tudo o que eu imaginava e muito mais. De todas as cidades até agora, é a única em que teria vontade de ficar e morar. 
Chinatown


Los Angeles estava no meu roteiro inicial, mas como muita gente me falou que seria apenas um desperdício de tempo e dinheiro, troquei por Santa Barbara.  Encontrei há pouco um inglês (que está no terceiro mês de uma viagem de um ano) e ele foi a primeira pessoa que me falou bem – muito bem – de Los Angeles. Fiquei surpreso, e ele conclui que a impressão que se vai ter de cada cidade depende muito das pessoas que você conheceu lá. Não poderia concordar mais. San Francisco é uma cidade muito bonita a agradável, rica pra se explorar em vários aspectos, mas o que fez mesmo a diferença foram as interações.  E o albergue em que fiquei contribuiu muito pra isso.

Green Tortoise
Fiquei no Green Tortoise em Seattle e achei bem bom, um dos melhores em que já fiquei até hoje, bem diferente do Green Turtle, um lixo de albergue na capital da British Columbia, Victoria. A estrutura era boa, tudo funcionando direito e um clima agradável. Mas o Green Tortoise de San Francisco é bem diferente. A infraestrutura de quartos e banheiros pode não ser tão boa (são bem menos espaçosos), mas o resto é tremendamente melhor. Para compensar os banheiros pequenos e os estreitos corredores nos andares dos quartos, há um imenso salão de festas antigo, com decoração velha mas inalterada: pédireito altíssimo, janelões com vitrôs, sofás em U (ou será em C?)e um palco. Tudo no albergue leva a ter mais proximidade com os outros hóspedes:  grandes mesas coletivas; eventos noturnos diários (ouve um pub crawl com um campeonato de Pedra-Papel-Tesoura com  cerca de 40 participantes, no qual não passei da primeira fase, com uma vitória e duas derrotas); três  vezes por semana há jantar grátis, em que voluntários fazem a comida regidos pelo chef italiano. O clima é tão bom que, à noite, muita gente nem sai:  mesmo num sábado de intensa atividade noturna na cidade, trazem seus drinks e ficam até altas horas no salão. Havia reservado três noites lá, mas no segundo dia já estendi minha estadia por mais quatro. Recomendo sem restrições. 
Cidade das ladeiras (ou lombas, em gauchês)


Alcatraz, só três fugiram


Palace of Fine Arts, construído em 1912


Golden Gate Bridge estava encoberta


Japantown


Luz no fim do túnel




Golden Gate Park




Banksy esteve aqui


Segurando firme meus dólares na mão esquerda


Acredite, eles ainda não tinham começado a beber 


Hendrik, Johan, Djegovsky, alemão, americana

domingo, 22 de julho de 2012

San Francisco - Inevitáveis Despedidas e improváveis reencontros


Assim como aconteceu por 17 meses em Vancouver, a viagem contínua implica também despedidas. É meio ridículo dizer que vai sentir falta de pessoas com quem conheceu por apenas três dias ou até mesmo uma noite. Mas, como disse um outra vez, o ambiente de viagem fortalece a intensidade das relações. Ou é simplesmente um apego idiota de querer passar mais tempo com pessoas com quem a gente se diverte fácil. Em 16 dias de viagem conheci algumas pessoas com quem me diverti mas que não tenho uma particular vontade de rever, são como aquelas amizades instantâneas de festa, em que as pessoas se abraçam, dão high five, dizem coisas como “você é o cara”, e na manhã seguinte, quando a sobriedade chega, o máximo de contato que se tem é um discreto levantar de sobrancelhas mútuo, ou nem mesmo isso.
Mas há outras mais difíceis de esquecer, aquelas que fazem a viagem valer a pena. Como Matthew (Portland), o americano de Louisianna, que depois de cinco minutos na sua casa já me fez sentir como se fôssemos roommates há meses; ou Henrietta (Seattle), a alemã que desmascarava a falsa espontaneidade das minhas piadas ensaiadas (mas que depois as anotava num caderno); Johan (San Francisco), o motorista de caminhão sueco de poucas mas boas palavras; ou Jiyeon (San Francisco), coreana com o inglês mais perfeito que já vi, única também em vários outros sentidos; ou ainda Romain “doesn’t anybody here use drugs?” e Malu, o doido casal de jovens franceses. São pessoas que provavelmente nunca mais verei e que me deram momentos que não se repetem e que vou guardar por um bom tempo.

Em viagem, quando se encontra alguém, sempre se fala em reencontro. É menos um plano que uma maneira de driblar o desconforto da despedida. “Vou te visitar quando for pra Tóquio”, “Qualquer dia vamos tomar uma cerveja em Praga”, “Reserva um sofá na tua casa pois vou pra Copa do Mundo no Brasil”. Foi assim em Vancouver o tempo todo. Os únicos que fiquei sabendo que se encontraram foram japoneses no Japão e brasileiros no Brazil.  Sabe-se que na maioria das vezes as pessoas nunca mais vão se ver, cada uma seguindo seu próprio rumo. No meu primeiro dia de viagem, há 18 dias, em Seattle, conheci algumas pessoas que fizeram a smesmas promessas de reencontro. Por incrível que pareça, acabei mesmo reencontrando uma delas. Henrietta, voltando pra Alemanha, veio pegar o voo de volta em San Francisco, onde estou, e ficou no mesmo albergue que eu. Como em viagem tudo se acentua, pareceu um reencontro de velhos amigos, com conversa madrugada adentro. Reencontro com gosto de despedida, pois logo ela parte de novo pra terra do nunca mais e eu também.

sábado, 21 de julho de 2012

Tirando o peso das costas


Quando saí do apartamento em Vancouver fiz as malas literalmente no último minuto, tanto que perdi o trem. Fui pegando as roupas e escolhendo o que ia ficar e o que ia levar na mochila, sem muito tempo pra pensar. Preciso mesmo dessa calça? Não. Preciso de 7 pares de sapatos? Não, então levei três na viagem. E por aí foi.

Só que, depois de ter que carregar todo o peso, comecei a reconsiderar as coisas mais ainda. Então, a cada lugar em que passo, deixo alguma coisa. Em Seattle, deixei um livro de 900 páginas e mais alguns objetos desnecessários. Em Portland, deixei algumas lembranças do Canadá e duas camisetas. No albergue em San Francisco há uma “free bin”, exatamente pra se deixar o que não se quer mais e se pegar o que quiser. Antes de sair, deixei camisas, camisetas, uma calça e um par de sapatos. Isso sem falar nas coisas que esqueci pelo caminho. Algumas pessoas me pedem que lhes traga objetos, mas o objetivo é ter menos e menos bagagem ao longo da viagem, fazendo o que sempre achei ridículo: exercitar o desapego.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

EUA - Portland (parte 4)


Matthew, meu novo anfitrião, não poderia ser um cara mais legal. Logo que chego se desculpa por estar de saída e me deixa sozinho na casa por um tempo. Sinta-se em casa, me diz ele. Por coincidência, o edredon que  me dá é idêntico ao que eu usava no meu apartamento. A casa não é lá o que se pode chamar de arrumada, com uma pilha de louça na pia (a qual mais tarde terei lavado), coisas jogadas por todo canto, caixas, roupas, etc, o que me deixa anda mais à vontade. Vejo um violão, um banjo, um ukulele e uma caixa pra violino. E muitas garrafas vazias de cerveja.

Volta e conversamos. Em cinco minutos já sinto como se fosse um velho amigo. Ele faz cerveja em casa e me mostra todo o processo. Diz que é fácil de conseguir todos os ingredientes que precisa, pois Portland é forte em café e cerveja. Está fazendo uma IPA agora, que deve ficar pronta em dois meses. Da sua última produção caseira sobrou apenas uma garrafa, que abre pra mim. É uma pale ale excelente, pra se tomar sem pressa.

Matt mora com a namorada e mais uma outra roommate. Não chego a conhecê-las pois estão viajando. Assim como 90% da população de Portland, Matt não nasceu lá. Durante uma viagem que fez pelos EUA depois de ter terminado com a namorada (que era estrangeira e ele descobriu que queria casar com ele pra conseguir um green card), ele passou por Portland e se apaixonou pela cidade. Dois anos depois voltou pra ficar. E ainda hoje, como bom apaixonado, gosta de descobrir coisas novas explorar todas as possibilidades que a cidade tem para oferecer.


À noite, vamos a uma festa.
Logo na chegada há gente pulando numa cama elástica. Um dos caras conta que uma vez caiu fora da cama e deu de cabeça no chão, e agora tem um estranho estalo na mandíbula (que ele faz questão de demonstrar). Eu, sóbrio, tímido e sem seguro de saúde, não me arrisco.
Outra atividade da noite é luta de bastões. São bastões de madeira um pouco maiores que tacos de beisebol, recheados com espuma e cobertos por fita isolante, afinal a luta é de verdade mas ninguém quer sair ferido. Para vencer o oponente, se deve atingi-lo na cabeça ou no torso, seja lá o que isso signifique.
Escurece . Num buraco largo no chão é feita uma fogueira, que logo é cercada pelo povo. Matt trouxe o seu banjo e outra pessoa da casa também, e começam a tocar o tema do famoso duelo de banjos do filme “Deliverance”.




Numa roda de gente conversando, um cara desafia os outros a adivinhar de onde ele é. A única pista que dá é que é da África. “África do Sul?” Não. “Nigéria?” Não. Ele dá outra pista: “Começa com G”. “Gana?” Não. Há algo familiar em seu sotaque. “Guiné Bissau” é meu chute. Ele se vira pra mim, surpreso, e me dá um high five. “Nãooo, em 5 anos morando aqui ninguém nunca adivinhou e você foi o primeiro!” Quando descobre que sou brasileiro acha mais natural que tenha acertado o desafio. Ficamos falando em Português. Ele reclama da ignorância que os americanos têm sobre a África em geral. Fala que, quando diz que é da África, as pessoas dizem “A África é um país muito bonito”, e ele deixa assim mesmo. Eu digo que no Brasil mesmo somos ignorantes quanto à diversidade africana, que costumamos colocar no mesmo saco, como se fossem a mesma coisa, as gigantes diferenças culturais e raciais africanas. Mas ele diz que nos EUA é pior. “Os americanos são idiotas”, ele diz com seu sotaque português. Há um casal de americanos na nossa frente, e eles claramente entendem as palavras “americano” e “idiota”. Eu rio da sua embaraçosa gafe, dizendo que a escolha das palavras não foi das melhores. Ele me conta que em breve vai casar com uma americana pra conseguir o green card. Está feliz com a possibilidade pois não pretende voltar pra casa mesmo. Mas, diz ele, é um casamento arranjado. Pergunto quanto pagou. Ele diz que não pagou nada, que essa amiga se ofereceu pra casar com ele, e que ele acha que ela gosta dele. E tu não gosta dela?, pergunto. Ela não é bem o meu tipo, é uma mulher grande. Tem 1,75 e 130kg. Mas, me diz ele sorrindo, se ela quiser sexo, eu posso dar um jeito.

A fumaça da fogueira se mistura ao cheiro de maconha. Converso com duas irmãs. Como todo mundo aqui, não são nascidas em Portland e vieram de cidades pequenas. O que elas gostam da cidade é a liberdade e a tolerância com quem é diferente. Na sua cidade natal as pessoas tem mente muito fechada, dizem. Ouvi a mesma coisa de outras pessoas. Talvez seja isso que as atrai em Portland, esta cidade pequena demais pra ser uma cidade grande e grande demais para ser uma cidade pequena: elas têm a liberdade que uma grande cidade proporciona mas sem o choque inerente a uma cidade populosa.

Matthew aparece, dizendo estar cansado, já é madrugada. Termino o meu copo de ponche, e vamos pro carro (que ele, ciclista que é, meio que se desculpa por ter usado, mas o local onde fomos era muito longe pra pedalar). 
“Foi uma típica noite de Portland”, fala antes de ligar o motor.

Pelo menos 8 pontes conectam o Leste ao Oeste da cidade

Você vai se divertir a valer no Blue Diamond


Portland (parte 3)


Voltando pra casa depois dos fogos de artifício do 4 de Julho. Pego um trem lotadíssimo, afinal havia milhares de pessoas nas ruas. Não sei exatamente onde estou, mas depois de dois dias aqui começo a ter uma ideia da cidade. Depois de muitas caminhadas, já achando que vou passar a noite batendo perna, pego o ônibus certo pra casa. Logo que desço, me aborda um cara bebendo cerveja encostado num carro com uma mulher. “Quer uma Hefeweizen”?.
Por que não, eu digo.
E bebemos juntos, celebrando o 4 de Julho. Ele é negro e meio forte, ela é branca, com muito peso para a sua baixa estatura, um casal que pouco combina, mas quem combina? Ele fala sem parar, ela faz uma cara de entediada. Percebo que tolera a minha presença pois assim seu namorado não vai beber tanto antes de pegar o carro. Bebo rápido. Quando me despeço, ouço ele dizer a ela, orgulhoso de si: “Viu? Viu?  Eu sei dividir”.
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Procuro outro anfitrião em Portland. As coisas estão meio paradas na casa de Kate e tenho a sensação de estar perdendo ainda muita coisa da cidade. Matthew me responde dizendo que sim, que posso ficar na casa dele no fim de semana, mas que agora só está ele em casa, que as roommates) a namorada e uma amiga) estão viajando. Sem problema. faço as malas e me mudo.
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Indo pra minha nova casa, carregando minhas três mochilas, peço informação na rua.
O cara sabe onde fica a rua e diz que está indo pra lá mesmo, então vai acompanhar. Pergunta:
- Where are you from?
- I’m from Brazil.
- Brazil?! No  way!
I thought you were gonna say Canada.
Diz que quer ir pro Brazil um dia, que as oportunidades de emprego estão escassas em Portland, que gosta de um trago e de uma festa, mas que sem emprego e sem grana  não pode mais fazer isso (sendo que ele tem uma garrafa na mão e sinto seu bafo etílico). Pelos três quarteirões em que me acompanha, pergunta como são as mulheres canadenses, as brasileiras e diz que prefere as mulheres mais diretas, que não te fazem perder muito tempo e dinheiro. Nos despedimos na esquina, de onde avisto a minha nova moradia em Portland.


domingo, 15 de julho de 2012

EUA - Portland (parte 2)


Já falei de algumas diferenças, ou surpresas, quando se sai do Canadá e e se entra nos EUA. Bem menos asiáticos, muito  mais mendigos, por exemplo. Ou restaurantes mexicanos cujos donos são realmente mexicanos. Outro choque cultural com o qual se demora um pouco pra se acostumar é o mau atendimento em bares em pubs. Garçontes de cara fechada? Não sei se alguma vez vi isso em Vancouver. Ou ainda um time inteiro de garçonetes feias e sem maquiagem ou roupas curtas? O Canadá te deixa mal acostumado mesmo. Pessoas gordas caminhando também chamam a atenção. Em Vancouver as pessoas gordas andam apenas em carrinhos elétricos.

Por outro lado, Vancouver é um pouco irreal, é meio que uma Ilha da Fantasia. Tudo é bonito,(com exceção de uma rua já mencionada aqui no blog), tudo funciona, as pessoas sorriem, agradecem, se desculpam, please, thank you, sorry. Sentia falta de uma ruindade autêntica, de algo que se torna bom por ser ruim. Em Vancouver há alguns lugares tentando passar por antigos, fingindo ser tradicionais. Na decoração, nada está lá por acaso, sabe-se que cada objeto é devidamente estudado antes de tomar seu lugar, para que alcance o efeito esperado. É como se a cidade toda fosse regida por um competente diretor de arte.


Isso tudo eu penso sentado no bar onde entrei depois de ter caminhado por horas pela parte mais feia da cidade em busca de um carregador de bateria da minha câmera (esquecido no apartamento no Canadá). Aqui em Portland algumas partes lembram o Canadá (Downtown) e outras a Califórnia, com seus caixotes comerciais  de concreto espalhados pela rua. Alguns quarteirões têm grandes espaços vazios (estacionamentos, na verdade), interrompidos por prédios térreos quadrados ou retangulares. São edificações solitárias, tristes, isoladas. Vi esse bar amarelo, anunciando pints por 2 dólares às quintas-feiras. E hoje é uma quinta-feira, então só pode ser mesmo um sinal divino. Entro.
Cameron's Books


Com o sol que fazia lá fora, mal consigo enxergar dentro do caixote mal iluminado. A garçonete é meio grossa, não sorri e é feia. Pergunta se estou ali pra almoçar (são quase 4 da tarde). Não, só quero a cerveja de 2 dólares (em Vancouver isso não existe, a cerveja seria, no mínimo, o dobro desse valor). A decoração é interessante. Há um longo balcão de bar em forma de U, e umas seis mesas. Tudo é um pouco decadente. O gasto carpete tem cor de vômito de vinho. Não há muita gente. Há cinco máquinas de video lottery, duas delas ocupadas por pessoas feias e mal vestidas. Uma mulher de uns quarenta e poucos anos mal vividos, cabelos curtos oxigenados, de short jeans e colant azul, de generoso decote, escreve e risca em algo, deve ser alguma loteria instantânea, sei lá. O único som é de uma TV passando uma luta de UFC, subitamente interrompido por uma música triste de Roy Orbinson. Procuro pela juke box mas não vejo nenhuma. As paredes são de madeira clara, um teto com um forro branco meio mofado em alguns pontos. Há resquícios de um restaurante chinês ter funcionado aqui antes: em algumas cadeiras, pretas com estofamento vermelho, há minúsculos dragões pintados; um quadro de pandas comendo bambu, desenhados por um amador; um pequeno quadro escrito em indecifráveis caracteres chineses dourados em um fundo vermelho aveludado. Pode ser uma mensagem de sabedoria (se é que as há) ou apenas “banheiro”, vá saber.


Em frente ao balcão principal do bar, cujo fundo espelhado é preenchido por dezenas de garrafas com nomes familiares – Jack, Johnnie, Jim -, há bandeirinhas triangulares nas cores primárias, como que esquecidas de uma festa junina escolar. Uma mosca insistente me rodeia (nunca vi moscas em Vancouver). Me dou conta de que esqueci a mochila que comprei hoje numa loja de usados no lugar onde comprei o carregador de bateria. Hora de ir embora. Agora toca “American Idiot”.

Um dos caixotes de concreto.

Minha segunda cama em Portland

sábado, 14 de julho de 2012

EUA - Portland

No meu frágil plano de viagem, iria direto de Seattle (Washington) para San Francisco, pulando inteirinho o estado do Oregon. Mas algo me disse pra ir pra Portland (Oregon), mesmo que eu não tivesse qualquer ideia da cidade, nenhuma informação sequer além de alguém que me disse (depois de eu já ter decido ir pra lá): "Acho que você vai gostar de Portland". Outro motivo pelo qual simpatizei com a cidade foi a receptividade. Tentando fazer o possível com meu orçamento limitado, usei o CouchSurfing pra tentar diminuir as despesas. Antes de ir pra Seattle, enviei mais de 20 pedidos de acomodação, tive apenas 7 respostas, todas elas declinando. Em Portland, mandei 5 pedidos, 4 me responderam dizendo que me hospedariam (acabei ficando na casa de dois). Não é pra gostar de uma cidade com gente assim?



Festival de Blues
Minha primeira anfitriã de CS em Portland se chama Kate. Tem 54 anos e mora com seu filho Zeke, de 25. Ela é do tipo cabeça aberta, espiritualizada, praticante de yoga, estilo pós-hippie. Seu filho, como bom filho de hippie, é um tipo conservador. Um grandalhão, cuja principal diversão é internet e jogos de computador. Não bebe, não fuma, não sai muito de casa, ri pouco e não tem namorada. Parece ter opiniões bem definidas quando fala de política ou qualquer outro assunto.  Acreditar-se-ia que Zeke era jogador de futebol americano no colégio, parece mesmo que lhe falta o uniforme, mas não, não é fã de qualquer tipo de esporte, não pratica e não assiste. Kate já tem um jeito mais relaxado e debochado. Logo que chego na estação, me levam para uma volta pelo centro, que é longe da casa deles: tem que se atravessar o rio e andar mais 50 quarteirões. Vamos num restaurante vietnamita onde não há sequer uma opção sem carne (a não ser a salada, que não é comida de verdade), então digo que estou sem fome. Depois chega Earl, namorado de Kate, que por alguma razão começa a comentar filmes, cujos títulos lhe ajudo a lembrar. Começam a falar de George Clooney, e lá pelas tantas Zeke, com toda a seriedade, fala que, apesar de ser hetero, há alguns caras com quem ele admitiria ter relações. Diz ele que se tivesse que escolher um, seria o da propaganda do Dos Equis. Lembro do stand up comedian americano C.K. Louis, que tem um esquete inteiro falando que, apesar de hetero, gostaria de dar pro Ewan McGregor. Sua mãe diz que ficou surpesa com essa escolha. E comenta que o cara do comercial é parecido com o pai dele. Ele diz: That is creepy. E ela: It is. A conta chega e vamos embora.

No dia seguinte Zeke me leva por um long tour pela cidade. Ficamos horas caminhando, e ele pacientemente explicando as coisas que conhece e acha interessante. O mal-encarado é, enfim, um daqueles grandalhões de bom coração.  Vamos a uma livraria que é uma instituição na cidade. “Não pode sair de Portland e dizer que não visitou a Powell’s”, recomendou  Kate no dia anterior. É grande, mas não acho nada de mais. Decoração simples, tudo de madeira mais ou menos nova, como se fosse uma obra começando a ser construída. Não sei, mas não senti o espírito do lugar, se é que tem um. Fui noutra, depois, bem mais interessante, um sebo chamado Cameron’s.

Janela da primeira casa onde fiquei

Lema da cidade.


As dores.


Admito que estou longe de estar bem preparado fisicamente para uma viagem como essa. Quer dizer, o único real esforço que se faz (além de se caminhar várias horas por dia) é carregar as mochilas, mas isso só acontece quando se parte de um local pra outro. Como uma das mochilas arrebentou de tanto peso, comprei outras duas, onde agora divido as coisas mais pesadas. Então são três, uma nas costas, outra na frente e a outra onde der. Todo esse desquilíbrio me deixa com uma dor nas costas por dias depois de cada trajeto, como se tivesse levado uma pancada bem no meio da coluna. Pra ajudar, também tenho uma ferida do tamanho  de uma bola de tênis entre o pé direito e a perna. Como a meia roça constantemente ali ao caminhar, a ferida não cicatriza. (Adquiri a ferida de uma maneira idiota. Nas últimas semanas em Vancouver, passei a me livrar de todos os móveis de casa, passando a  dormir no chão. Numa noite, dormi com a perna em cima do carregador do laptop, e ganhei uma bela de uma queimadura, que virou uma bolha enorme, que se transformou nesse ferida nojenta de agora.) Também tenho bursite e tendinite no ombro direito, dor no quadril e um pulso com dois ossos quebrados ano passado. Mas é isso, recomendo que se faça um check up e pelo menos dois meses de academia e corrida antes de sair por aí carregando mochilas grandes. Ou isso ou que se seja jovem.


quinta-feira, 12 de julho de 2012

Seattle (parte 3)



 Visito um sebo. Não lembro o nome, só sei que é bem alternativo. As donas são feministas-lésbicas-veganas-anarquistas. Ou pelo menos é o que elas querem que eu entenda, pelas roupas e pôsteres na loja.  Como acho a decoração bem peculiar, pergunto se tudo bem eu tirar fotos do local. Elas três olham umas para as outras, sérias. Seriedade é uma marca das feministas-lésbicas-veganas-anarquistas. Explico que trabalhei numa livraria por oito meses e que recém me demiti, mas que ainda sinto falta de estar entre livros. Depois de uma rápida reunião, que não passou de uma troca de olhares entre elas, autorizam a realização de imagens, contanto que nenhuma delas apareça nas fotografias. Puxa, elas deve ser realmente procuradas pela CIA né? Não sei o que fariam se soubessem que a livraria onde trabalhei é a maior rede do Canadá, ou seja, uma grande corporção, do tipo que monta árvores de Natal gigantescas no Natal, que vende corações no Valentine’s day e que monta mesas com títulos como “Livros que sua mãe vai gostar” no Dia das Mães. Será que cuspiriam em mim, depois de me olhar com desprezo por ser um legítimo representante do sistema opressor? Ou melhor, será que me acolheriam em seus braços tatuados com frases em latim,  embaixo de suas axilas peludas por ser eu uma desgraçada vítima do capitalismo selvagem, ignorante do meu papel na grande  máquina? Não faço ideia, só sei que gente que se leva muito a sério é engraçada.






Típico habitante de Seattle tirando uma gostosa soneca.


Não há o que não haja em Chinatown.


Seattle é uma cidade muito linda.