Fronteira Canadá - EUA |
Depois de
alguns momentos de tensão em Vancouver, quando tive que falar com oficiais de
imigração americanos cujo olhar já te faz se sentir culpado pelos maiores
crimes, cujas perguntas dão a impressão
de que eles sabem os seus mais obscuros segredos, me deram um visto de seis
meses. Estava preocupado pois um colega
de trabalho, canadense, me disse que havia sido barrado nas últimas duas vezes
em que tentou entrar no vizinho do sul. Dentro do trem, logo antes de cruzar a
fronteira, novos policiais entram e te enchem de perguntas. Eu, que sou ansioso a ponto de suar frio na hora de preencher qualquer formulário de banco, que sempre acho que o alarme de uma loja
vai tocar quando eu passar pelo sensor (mesmo nas vezes em que não furto nada),
não resistiria a um inclemente interrogatório do tipo “O que vai fazer nos EUA? Quanto
tempo vai ficar? Hmm?” sem gaguejar e entregar a culpa no meu olhar, pronto a
confessar aos prantos, sem precisar de tortura, meu envolvimento no onze de setembro, já encomendando minha passagem para Guantánamo. Por sorte, “meu”
policial apenas disse "Passaporte", me olhou, e partiu para o próximo sem mais. Passado o tormento da fronteira, a viagem americana começa. Primeira parada: Seattle.
Seattle
Não sabia
muito sobre Seattle. Sabia que os brasileiros em Vancouver cruzam a fronteira
apenas para fazer compras de eletrônicos e roupas de marca nos outlets nos
arredores da cidade. Sabia que o time de futebol deles, o Seattle Sounders, é
melhor que o time de Vancouver, o Whitecaps (pelo menos foi o que deduzi depois
do empate entre eles numa partida que assisti em Vancouver). Achava que era a capital do estado de Washington (que na verdade é Olympia). Sabia que chovia quase tanto como em Vancouver (afinal não estão
tão longes assim, cerca de 200km de distância).
Vista da janela do quarto no albergue |
A minha
primeira surpresa foi a quantidade de mendigos. Pelo menos umas 100 vezes mais
que em Vancouver. Mas acho que estava muito mal-acostumado mesmo, afinal
Vancouver foi eleita por anos seguidos como a melhor cidade do mundo pra se
viver. O segundo choque é a pouca quantidade de asiáticos nas ruas. Sim, há os
turistas e há Chinatown, mas não se compara com Vancouver, cuja população de
asiáticos fica em torno de 40%. A população de negros, em compensação, é bem
maior. Uns 20% (pelo menos no centro), enquanto a da cidade canadense não deve
passar de 2%. Mas talvez essa comparação seja fora de propósito. Por que não
comparo Seattle com outras cidades que conheço, como Porto Alegre, Curitiba,
Montevidéu, Salvador, Alvorada, Tijuana, Capão da Canoa? A cidade deve ser
vista pelo que ela é, mas claro que as experiências anteriores vão pesar no seu
julgamento.
Chego em
Seattle à noite. Há ainda bastante movimento perto da estação de trem, pois
houve um jogo de baseball contra o time de Boston. Não sei quem ganhou.
Caminhando um pouco mais, logo encontro ruas vazias. Peço informação. Não sou
daqui, diz um. Também não sou daqui, diz outro. Nesse meio tempo, alguém me
pede informação, “Onde fica a estação de trem?”. Para sorte dele, é a única
coisa que sei informar. Acho duas moças e já pergunto: Vocês são daqui? Não, dizem.Têm sotaque britânico, mas sabem me informar onde fica meu albergue e como
chegar lá. Só é uma área meio perigosa, diz uma delas. Que bosta, eu penso. Mas
digo: “Então acho que vou gostar.” No fim elas estavam erradas, e a localização
é ótima, talvez o número de mendigos é que as tenha assustado.
O pub |
Estou num
quarto com dois casais. Um australiano e outro meio australiano e meio
italiano (mais tarde descubro que também havia um coreano, que estava dormindo). Roberto, o italiano, diz que estão indo num pub e me convida. Uma
alemã nos acompanha. No pub, com música irlandesa ao vivo, as conversas são gritadas, então fico conversando com que está ao meu lado, Henrietta, a alemã. Ela cheira meu copo de cerveja, uma IPA, e pede uma igual. Comento que é uma pena que não tenham nos
dado porta copos para as bebidas, pois os coleciono, tendo algumas dezenas.
Cada um é uma memória, um aniversário, uma despedida, um símbolo de um momento.
Ela chama a garçonete e pede porta copos. Pede para que todos da mesa assinem e
coloca a data e local e me dá. Os casais dançam. Sinto que ela está com vontade de dançar e digo
que fique à vontade, mas que eu não sei dançar. Ela diz que também não, mas que
é alemã, já eu não tenho desculpa, por ser brasileiro. Digo que nasci sem o gene
da dança, que sou um poste, talvez seja herança do meu tetravô alemão. Realmente
ela não sabe dançar. Quando volta, digo que foi muito bem. Para uma alemã. Henrietta
pega os meus óculos de lentes amarelas e os coloca, estranhando que não têm
grau. Admito que são falsos, que só uso pra parecer mais inteligente, que de
óculos meu QI aumenta 20 pontos, subindo pra 90. Ela pergunta quantas vezes eu
já fiz essa piada. Fico sem jeito. Ela pergunta minha idade. Digo que sou velho
o bastante, provavelmente dez anos mais velho que ela, que deve ter uns 25. Ela
estende a mão e diz: “Vamos apostar então.” Eu digo, Ok, mas deixa eu
reconsiderar a diferença. Oito anos. Apostamos uma cerveja. Eu falo que não
perco uma aposta faz 5 anos. E é verdade, na semana anterior tive a minha conta
paga por conta de uma aposta feita na mesa do bar. No fim, ela diz ter 28, . Sugiro irmos pra outro bar, onde pago a aposta.
Estátua do fundador da cidade |
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