Matthew, meu novo
anfitrião, não poderia ser um cara mais legal. Logo que chego se desculpa por
estar de saída e me deixa sozinho na casa por um tempo. Sinta-se em casa, me
diz ele. Por coincidência, o edredon que
me dá é idêntico ao que eu usava no meu apartamento. A casa não é lá o
que se pode chamar de arrumada, com uma pilha de louça na pia (a qual mais tarde terei lavado), coisas jogadas
por todo canto, caixas, roupas, etc, o que me deixa anda mais à vontade. Vejo
um violão, um banjo, um ukulele e uma caixa pra violino. E muitas garrafas
vazias de cerveja.
Volta e conversamos. Em
cinco minutos já sinto como se fosse um velho amigo. Ele faz cerveja em casa e
me mostra todo o processo. Diz que é fácil de conseguir todos os ingredientes que
precisa, pois Portland é forte em café e cerveja. Está fazendo uma IPA agora,
que deve ficar pronta em dois meses. Da sua última produção caseira sobrou
apenas uma garrafa, que abre pra mim. É uma pale ale excelente, pra se tomar
sem pressa.
Matt mora com a namorada e
mais uma outra roommate. Não chego a conhecê-las pois estão viajando. Assim
como 90% da população de Portland, Matt não nasceu lá. Durante uma viagem que
fez pelos EUA depois de ter terminado com a namorada (que era estrangeira e ele
descobriu que queria casar com ele pra conseguir um green card), ele passou
por Portland e se apaixonou pela cidade. Dois anos depois voltou pra ficar. E
ainda hoje, como bom apaixonado, gosta de descobrir coisas novas explorar todas
as possibilidades que a cidade tem para oferecer.
À noite, vamos a uma festa.
Logo na chegada há gente
pulando numa cama elástica. Um dos caras conta que uma vez caiu fora da cama e
deu de cabeça no chão, e agora tem um estranho estalo na mandíbula (que ele faz
questão de demonstrar). Eu, sóbrio, tímido e sem seguro de saúde, não me
arrisco.
Outra atividade da noite é
luta de bastões. São bastões de madeira um pouco maiores que tacos de beisebol,
recheados com espuma e cobertos por fita isolante, afinal a luta é de verdade
mas ninguém quer sair ferido. Para vencer o oponente, se deve
atingi-lo na cabeça ou no torso, seja lá o que isso signifique.
Escurece . Num buraco largo
no chão é feita uma fogueira, que logo é cercada pelo povo. Matt trouxe o seu banjo
e outra pessoa da casa também, e começam a tocar o tema do famoso duelo de banjos
do filme “Deliverance”.
Numa roda de gente
conversando, um cara desafia os outros a adivinhar de onde ele é. A única pista
que dá é que é da África. “África do Sul?” Não. “Nigéria?” Não. Ele dá outra pista:
“Começa com G”. “Gana?” Não. Há algo familiar em seu sotaque. “Guiné Bissau” é
meu chute. Ele se vira pra mim, surpreso, e me dá um high five. “Nãooo, em 5
anos morando aqui ninguém nunca adivinhou e você foi o primeiro!” Quando
descobre que sou brasileiro acha mais natural que tenha acertado o desafio.
Ficamos falando em Português. Ele reclama da ignorância que os americanos têm
sobre a África em geral. Fala que, quando diz que é da África, as pessoas dizem
“A África é um país muito bonito”, e ele deixa assim mesmo. Eu digo que no
Brasil mesmo somos ignorantes quanto à diversidade africana, que costumamos
colocar no mesmo saco, como se fossem a mesma coisa, as gigantes diferenças
culturais e raciais africanas. Mas ele diz que nos EUA é pior. “Os americanos
são idiotas”, ele diz com seu sotaque português. Há um casal de americanos na
nossa frente, e eles claramente entendem as palavras “americano” e “idiota”. Eu
rio da sua embaraçosa gafe, dizendo que a escolha das palavras não foi das
melhores. Ele me conta que em breve vai casar com uma americana pra conseguir o
green card. Está feliz com a possibilidade pois não pretende voltar pra casa
mesmo. Mas, diz ele, é um casamento arranjado. Pergunto quanto pagou. Ele diz
que não pagou nada, que essa amiga se ofereceu pra casar com ele, e que ele
acha que ela gosta dele. E tu não gosta dela?, pergunto. Ela não é bem o meu
tipo, é uma mulher grande. Tem 1,75 e 130kg. Mas, me diz ele sorrindo, se ela quiser
sexo, eu posso dar um jeito.
A fumaça da fogueira se
mistura ao cheiro de maconha. Converso com duas irmãs. Como todo mundo aqui, não são
nascidas em Portland e vieram de cidades pequenas. O que elas gostam da cidade
é a liberdade e a tolerância com quem é diferente. Na sua cidade natal as
pessoas tem mente muito fechada, dizem. Ouvi a mesma coisa de outras pessoas. Talvez seja isso que as atrai em Portland, esta cidade pequena demais pra ser uma cidade grande e grande demais para ser uma cidade pequena: elas têm a liberdade que uma grande cidade proporciona mas sem o choque inerente a uma cidade populosa.
Matthew aparece, dizendo
estar cansado, já é madrugada. Termino o meu copo de ponche, e vamos pro carro
(que ele, ciclista que é, meio que se desculpa por ter usado, mas o local onde
fomos era muito longe pra pedalar).
“Foi uma típica noite de Portland”, fala
antes de ligar o motor.
Pelo menos 8 pontes conectam o Leste ao Oeste da cidade |
Você vai se divertir a valer no Blue Diamond |
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