Sete e meia
da manhã, tomo café com Henrietta. Café é modo de dizer, não tomo café nem
leite, então fico com um suco, extremamente doce. Vou com ela até a estação e
na volta vejo a cidade acordando, com seus mendigos e pessoas fazendo fila
esperando que os cafés abram. Na porta de uma Starbucks ainda fechada alguém
grita: “Coffee!”.
O casal ítalo-australiano, Roberto e Katharine, quer ver o túmulo de Bruce Lee e a casa onde Kurt Cobain morreu; o outro casal quer ir no museu de arte. Fico com a primeira opção, mesmo que meio mórbida.
O casal ítalo-australiano, Roberto e Katharine, quer ver o túmulo de Bruce Lee e a casa onde Kurt Cobain morreu; o outro casal quer ir no museu de arte. Fico com a primeira opção, mesmo que meio mórbida.
Roberto e Katherine em busca de Bruce Lee |
Achado. E agora? |
No
cemitério, que fica na região mais bonita e arborizada da cidade, ficamos um
bom tempo procurando o túmulo de Bruce Lee. Roberto explica a Katharine quem,
afinal, é Bruce Lee e por que ele é importante. Ele acredita em algumas teorias
conspiratórias de que a máfia matou Bruce Lee e seu filho, Brandon Lee, que
morreu com um tiro durante uma filmagem. Rodamos o cemitério inteiro, e achamos
vários túmulos de Lee, mas não no nosso. Talvez metade dos túmulos sejam de
chineses. Um grupo de chineses, adultos, mulheres e crianças, se dirige cheio
de certeza a um túmulo e os seguimos. Antes que eu pergunte se ele sabe onde
fica o do Bruce Lee, ele me pergunta se nós sabemos. Também estão perdidos.
Roberto não desiste. Nos separamos e saímos andando de novo pelo cemitério.
Depois de meia hora, o grupo de chineses começa a acenar para nós
entusiasmadamente, acho até que chegam a pular. Encontraram. Em cima do túmulo
há alguns presentes, como camiseta e flores, e várias moedas de 1 centavo. Os
chineses se revezam para tirar fotos ao
lado do túmulo. Roberto e Katharine não tiram sequer uma foto. Não sou fã de
cemitérios, e os túmulos desses atores não me despertam nenhum sentimento. Não
sei o que as pessoas que estão num funeral bem próximas dali pensam desse grupo
de turistas fotografando e pulando. Mas talvez faça parte, afinal já sabiam que
era um cemitério-ponto turístico. No parque ao lado do cemitério assistimos dois caras andarem numa corda bamba. Não é por dinheiro, estão ali sozinhos só por diversão. Cada um de uma vez, eles atravessam a corda (uma fita na verdade) de um ponto até o outro. Pergunto se eles conseguem andar os dois ao mesmo tempo, um em cada ponta. Dizem que é difícil, mas aceitam o desafio. Começo a filmar, depois de alguns passos hesitantes em cima da corda, ambos caem no chão. Fico pensando se o meu desafio, que despertou a vaidade deles, não foi apenas inveja minha. Não acompanho o casal na busca pela casa onde o vocalista do Nirvana se matou. Nos
separamos no ônibus, é a última vez que os vejo, pois estão partindo para uma
festa de casamento da irmã de Katharine em Ashland, no Oregon. Antes de
descerem, ele diz que Ashland fica no
meio do caminho até San Francisco, onde planejo ir mais tarde, e que eu posso
ficar na casa da família dela quando passar por lá.
No resto do
dia caminho pela cidade em busca de restaurantes, pra fazer posts pra outro
blog. De volta ao quarto, falo finalmente com o coreano. Ele é gordo e grande e
diz que prefere lugares quietos, onde pode ficar na dele. Morou em Victoria,
BC, por 11 meses. Victoria é um lugar bonito mas extremamente pacato, onde as
pessoas vão depois que se aposentam. Ele disse que achava lá ótimo.
Trouxe
apenas dois livros comigo, deixando o resto no apartamento em Vancouver. São
dois do haruki Murakami – 1Q84 e The wind-up bird chronicle. 1Q84 tem mais de 900 páginas em capa dura, e
tento desesperadamente terminar para poder me livrar de mais um peso (a mochila
menor já começou a soltar uma das alças).
Lio no lounge do albergue, onde algumas pessoas comem e outras ficam no
computador. Duas mulheres conversam na mesa ao lado e reconheço o sotaque
canadense. Pergunto, mas com medo de errar, “Vocês são canadenses?” Sim, e vão
se mudar pra North Vancouver em breve, e falo um pouco sobre lá, pois foi o
primeiro lugar onde morei. É a primeira vez delas num albergue. Como meus companheiros
de quarto já foram embora e o coreano só dorme, achei que depois de cinco
minutos de conversa elas poderiam me convidar pra dar uma volta onde quer que
eles estivessem indo. Se despedem sem um convite. Então saio pra dar mais uma
explorada pela cidade, dessa vez pelos labirintos do mercado público já fechado,
cheio de escadas e corredores que te levam de um lado a outro, em 3 andares. Ouço música vindo de um dos corredores, sigo e
vejo uma festa, um vernissage: há telas pintadas espalhadas pelo local e
champagne e canapés, ou algo do tipo. Como meus tempos de rato de vernissage já
passaram, sigo reto e atravesso o corredor até um ponto escuro novamente.
De volta ao
albergue, sento numa mesa onde cabem seis pessoas. Leio um pouco e observo um
pouco. Na minha frente, um coreano lê algo que parece ser a Bíblia; numa das
pontas, uma japonesa acessa a internet e por vezes se interrompe para consultar
um dicionário eletrônico portátil; na outra ponta, uma chinesa assiste a clipes
de músicas românticas e canta junto, baixinho. Numa outra mesa, um cara de uns
30 anos bebe uma cerveja muito sério, todo encolhido, parecendo sofrer. Me viro
para a Japonesa, de cabelos curtos desgrenhados. Ela é pequena e baixinha, como bem convém a uma
japonesa. O Nome é Yuri Ota. Ela veio de bicicleta de Vancouver a Seattle, e o
plano é seguir viagem ao sul por um ano, indo até Ushuaia, no extremo sul da
América do Sul. Ela não fará o trajeto todo de bicicleta, pois pegará alguns
ônibus no caminho, mas de Lima, Peru, até a o ponto no extremo sul ela segue
apenas de bike. Demonstro surpresa, pois, como mencionei antes, ela é pequena,
não parecendo ser do tipo atlético. Ela diz que apenas anda de bicicleta no
Japão, e que já pedalou o Japão inteiro, e que outros japoneses amigos dela já
fizeram o percurso até Ushuaia e até ao redor do mundo. Ela parece cansada, só
veio passar uma noite em Seattle mesmo, e no dia seguinte pela manhça já parte.
Pergunto se ela bebe vinho, acreditando que não, afinal é uma atleta. Mas ela
diz que sim, e ela aceita que eu traga as mini garrafas que tenho guardadas no quarto. Ofereço à chinesa cantora, mas ela
agradece dizendo que já vai dormir. Digo a Yuri que deve escrever um blog
contando a viagem dela, pra eu poder acompanhar. Ela fala que tem um, mas em
japonês, e que o inglês dela não é bom o bastante então ela prefere não
arriscar.
Na manhã
seguinte já há alguns tipos diferentes no salão do café da manhã. Um senhor grande e gordo de terno e gravata, suando e
destoando um pouco dos demais. O depressivo da cerveja da noite de ontem também
está lá, agora encolhido tomando café preto, sem açúcar, imagino eu. Bebebndo meu suco ultra doce e torrada de café da manhã, Yuri
aparece no momento em que leio a última
página do meu 1Q84.
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