Já falei de
algumas diferenças, ou surpresas, quando se sai do Canadá e e se entra nos EUA.
Bem menos asiáticos, muito mais
mendigos, por exemplo. Ou restaurantes mexicanos cujos donos são realmente
mexicanos. Outro choque cultural com o qual se demora um pouco pra se acostumar
é o mau atendimento em bares em pubs. Garçontes de cara fechada? Não sei se
alguma vez vi isso em Vancouver. Ou ainda um time inteiro de garçonetes feias e
sem maquiagem ou roupas curtas? O Canadá te deixa mal acostumado mesmo. Pessoas
gordas caminhando também chamam a atenção. Em Vancouver as pessoas gordas andam
apenas em carrinhos elétricos.
Por outro lado, Vancouver é um pouco irreal, é meio
que uma Ilha da Fantasia. Tudo é bonito,(com exceção de uma rua já mencionada
aqui no blog), tudo funciona, as pessoas sorriem, agradecem, se desculpam,
please, thank you, sorry. Sentia falta de uma ruindade autêntica, de algo que
se torna bom por ser ruim. Em Vancouver há alguns lugares tentando passar por
antigos, fingindo ser tradicionais. Na decoração, nada está lá por acaso,
sabe-se que cada objeto é devidamente estudado antes de tomar seu lugar, para
que alcance o efeito esperado. É como se a cidade toda fosse regida por um
competente diretor de arte.
Isso tudo
eu penso sentado no bar onde entrei depois de ter caminhado por horas pela
parte mais feia da cidade em busca de um carregador de bateria da minha câmera
(esquecido no apartamento no Canadá). Aqui em Portland algumas partes lembram o
Canadá (Downtown) e outras a Califórnia, com seus caixotes comerciais de concreto espalhados pela rua. Alguns
quarteirões têm grandes espaços vazios (estacionamentos, na verdade),
interrompidos por prédios térreos quadrados ou retangulares. São edificações
solitárias, tristes, isoladas. Vi esse bar amarelo, anunciando pints por 2
dólares às quintas-feiras. E hoje é uma quinta-feira, então só pode ser mesmo
um sinal divino. Entro.
Cameron's Books |
Com o sol
que fazia lá fora, mal consigo enxergar dentro do caixote mal iluminado. A
garçonete é meio grossa, não sorri e é feia. Pergunta se estou ali pra almoçar
(são quase 4 da tarde). Não, só quero a cerveja de 2 dólares (em Vancouver isso
não existe, a cerveja seria, no mínimo, o dobro desse valor). A decoração é
interessante. Há um longo balcão de bar em forma de U, e umas seis mesas. Tudo
é um pouco decadente. O gasto carpete tem cor de vômito de vinho. Não há muita
gente. Há cinco máquinas de video lottery, duas delas ocupadas por pessoas
feias e mal vestidas. Uma mulher de uns quarenta e poucos anos mal vividos,
cabelos curtos oxigenados, de short jeans e colant azul, de generoso decote,
escreve e risca em algo, deve ser alguma loteria instantânea, sei lá. O único
som é de uma TV passando uma luta de UFC, subitamente interrompido por uma
música triste de Roy Orbinson. Procuro pela juke box mas não vejo nenhuma. As
paredes são de madeira clara, um teto com um forro branco meio mofado em alguns
pontos. Há resquícios de um restaurante chinês ter funcionado aqui antes: em
algumas cadeiras, pretas com estofamento vermelho, há minúsculos dragões
pintados; um quadro de pandas comendo bambu, desenhados por um amador; um
pequeno quadro escrito em indecifráveis caracteres chineses dourados em um
fundo vermelho aveludado. Pode ser uma mensagem de sabedoria (se é que as há)
ou apenas “banheiro”, vá saber.
Em frente
ao balcão principal do bar, cujo fundo espelhado é preenchido por dezenas de
garrafas com nomes familiares – Jack, Johnnie, Jim -, há bandeirinhas
triangulares nas cores primárias, como que esquecidas de uma festa junina
escolar. Uma mosca insistente me rodeia (nunca vi moscas em Vancouver). Me dou
conta de que esqueci a mochila que comprei hoje numa loja de usados no lugar
onde comprei o carregador de bateria. Hora de ir embora. Agora toca “American
Idiot”.
Um dos caixotes de concreto. |
Minha segunda cama em Portland |
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