Chegando ao Brazil, em Niterói, achei que fosse sofrer um impacto do reverse cultural shock, mas surpreendentemente achei tudo normal, mesmo a feiura da arquitetura e das pessoas. Mas no segundo dia houve um episódio interessante.
Na falta de meias e cuecas limpas, descobri que seria mais barato comprar novas do que mandar lavar, então fui numa loja. A atendente veio logo na minha direção:
Moça: Olá, posso ajudar em alguma coisa?
Eu: Procuro cuecas e meias.
Moça: (me olhando com um olhar estranho) Hmm, você está procurando cuecas e meias?
Eu: Isso.
Moça: (ainda com uma cara de quem havia ouvido algo muito inadequado) Hmm, e você fala Português também?
Eu: Falo.
Moça: Mas você é estrangeiro?
Eu: Não.
Moça: Você é brasileiro?
Eu: Sou.
Moça: Eu pensei que você fosse estrangeiro.
Eu: Não, sou brasileiro.
Moça: Hmm, cuecas e meias?
Eu: Isso.
Moça: As meias ficam aqui, cuecas você encontra ali no fundo.
Eu: Brigado.
Moça: Não há de quê. (falando lentamente, como se ainda não estivesse convencida da minha nacionalidade) Se precisar de qualquer coisa é só me chamar, tá bom?
Eu: Ok, 'brigado.
sábado, 8 de setembro de 2012
sábado, 1 de setembro de 2012
Brazilian Tour
Ainda não voltei a Porto Alegre, mas a viagem internacional chegou ao fim. Agora, já indo de volta pra casa no Brasil. Antes, porém, visitas a amigos em Niterói e Rio de Janeiro, Salvador e Florianópolis. Em Salvador reencontrei dois amigos de Vancouver.
Desde que saí de Vancouver, há dois meses, dormi em Seattle, Portland, San Francisco, Santa Barbara, San Diego, Venice Beach, Marina Del Rey, (San Francisco de novo), uma parada em Phoenix, New York, Niterói, Salvador e Florianópolis.
Passei por 4 estados nos EUA (Washington, Oregon, California, New York) e 3 no Brasil (Rio de Janeiro, Bahia, Santa Catarina). Foram 6 voos, 7 viagens de trem e 6 de ônibus. Ainda não parei para calcular a quilometragem, mas foram algumas dezenas de milhares de km.
Na maior parte das cidades fiquei em albergues, mas também me hospedei em casas de amigos ou desconhecidos do Couch Surfing. Agradeço demais a todas as pessoas que abriram suas portas e me acolheram em suas casas, algumas vezes com um tratamento tão bom que quase me deixam mal acostumado:
Kate, Róber, Matthew, Marcelo, Minou, Josh, Mariane fizeram também parte da minha viagem.
Logo antes de partir, todo mundo me perguntava o que eu ia fazer no Canadá afinal. Eu não sabia bem como seria, só sei que fiz o suficiente para considerar a melhor experiência da minha vida. Agora, voltando a Porto Alegre, a pergunta se repete: O que você pretende fazer?
Viver seria pedir muito?
Desde que saí de Vancouver, há dois meses, dormi em Seattle, Portland, San Francisco, Santa Barbara, San Diego, Venice Beach, Marina Del Rey, (San Francisco de novo), uma parada em Phoenix, New York, Niterói, Salvador e Florianópolis.
Passei por 4 estados nos EUA (Washington, Oregon, California, New York) e 3 no Brasil (Rio de Janeiro, Bahia, Santa Catarina). Foram 6 voos, 7 viagens de trem e 6 de ônibus. Ainda não parei para calcular a quilometragem, mas foram algumas dezenas de milhares de km.
Na maior parte das cidades fiquei em albergues, mas também me hospedei em casas de amigos ou desconhecidos do Couch Surfing. Agradeço demais a todas as pessoas que abriram suas portas e me acolheram em suas casas, algumas vezes com um tratamento tão bom que quase me deixam mal acostumado:
Kate, Róber, Matthew, Marcelo, Minou, Josh, Mariane fizeram também parte da minha viagem.
Logo antes de partir, todo mundo me perguntava o que eu ia fazer no Canadá afinal. Eu não sabia bem como seria, só sei que fiz o suficiente para considerar a melhor experiência da minha vida. Agora, voltando a Porto Alegre, a pergunta se repete: O que você pretende fazer?
Viver seria pedir muito?
Minha primeira cama em Portland |
Segunda cama em Portland |
São Paulo. 5am |
sexta-feira, 31 de agosto de 2012
Nova York
Vou tomar a
liberdade de escrever Nova York, ok?
"Ok", você
responde.
Com Nova York não é muito diferente. Sim, a
cidade tem de tudo, mas me diga quem é que realmente aproveita esse “tudo”?
Ninguém. Como cidade oferecendo opções à sua população, é bem completa mesmo,
como poucas no mundo. Mas ao considerarmos os indivíduos, é um mundinho que
continua pequeno, do tamanho de cada um. Você não vai almoçar e jantar em
restaurantes de 24 países diferentes este mês. Vai experimentar, no máximo,
culinária de três ou quatro países, e provavelmente vai começar a repetir o seu
café favorito, o seu restaurante, pizzaria e assim por diante. Procurei algum
lugar onde comprar um sanduíche de falafel (onipresente em Vancouver) e penei
para encontrar. Quando finalmente achei, numa carrocinha de rua, o sanduíche
não era muito bom. Há a questão prática também: é tudo muito afastado, e são
poucas as regiões com várias opções num mesmo local. E também não é que Nova
York seja tão grande, a questão é que chamam de Nova York as cerca de cinco
cidades aglomeradas na região. Central Park foi outra decepção. Ingenuamente,
pensava tratar-se de um oásis de silêncio no meio da aglomeração do centro, mas
é difícil achar um lugar silencioso e tranquilo no meio do Parque que,
estreito, está sempre cercado de ruas movimentadas pelos lados leste e oeste.
Também há uma rua que cruza o parque no meio. Enfim, difícil escapar do barulho
em Nova York.
Os dias que
se seguiram (fiquei 5 noites lá) foram mais proveitosos, e consegui aproveitar
a cidade melhor, sempre caminhando muito e usando aquilo sem o qual a cidade
seria impossível: o metrô.
Saí alguns dias com Harry, meu roommate
australiano que, pra provar minha teoria, começou a comer bagel sempre no mesmo
local e horário, depois pegar comida sempre no mesmo buffet e ir comer sempre
sentado na mesma pedra no Central Park. Depois de um tempo circulando por lá, a
confusão de linhas de metrô e conexões vai se tornando um pouco mais simples e
familiar, facilitando os deslocamentos.
Fiz quase
todos os programas de turista: Biblioteca Central, Brooklyn Bridge, Staten
Island, Governor’s
Island, Times Square, Empire State, Central Park,
Metropolitan Museum, etc, etc, mas um dos melhores programas que fiz não está
no roteiro da maioria das pessoas: o bar mais antigo de Nova York. Fundado em
1854, o McSorley’s por dentro parece um museu, ou melhor, como um porão
abandonado há mais de um século. Todo de madeira, empoeirado, com “decoração”
desleixada, um monte de objetos amontoados ou pendurados. Só há duas opções de
cerveja: clara e escura, e elas vêm
sempre em dois copos. Se não há mesas suficientes pra todos os clientes, os
garçons colocam as pessoas em mesas já ocupadas por outras, favorecendo o clima
de integração. É barulhento mas , ao contrário de muitos pubs, dá pra ouvir e
ser ouvido sem problemas.
The city that doesn’t sleep.
Nos EUA e no Canadá, e avida noturna encerra
cedo. No Canadá os bares fechavam às duas da manhã, ou, se ficavam abertos, não
serviam mais bebida depois desse horário. Nos EUA fecham ainda mais cedo, às
vezes 1:30 da manhã. Reclamei disso um dia e alguém me disse: então você vai
gostar de Nova York. Sim, como diz a música, é a cidade que nunca dorme. Durante
o dia, vi uma placa curiosa em um bar: “Open till late: 2am”. Duas da manhã é
tarde?! Uma noite, eu, um argentino, um
australiano e duas mineiras, saímos por Manhattan e depois da uma da manhã
decidimos procurar um bar. Queria achar alguma rua cheia de bares e
restaurantes e pubs dos dois lados, como há em qualquer cidade grande do mundo.
Perguntamos por um lugar assim e as respostas eram sempre vagas. Uma das gurias
quis ir num bar brasileiro, sobre o qual havia lido no seu guia. Pegamos um
trem, caminhamos, chegamos lá e estava fechado. Caminhamos mais, até que alguém
apontou o SoHo, e depois de vários quarteirões, agora já perto da 1:30, achamos
alguns bares e restaurantes. Fechados. Os únicos locais ainda abertos eram armazéns.
Num deles pedimos informação e finalmente encontramos um bar aberto, quase
vazio. Como uma das moças era menor de 21, não conseguimos entrar. Decepção.
Nova York é
um ovo
Vou com
Harry até o Dakota Building, prédio onde John Lennon foi assassinado. Dali,
vamos procurar o Metropolitan Museum e atravessamos o Central Park em algum
ponto no meio. Vamos por um dos vários caminhos, conversando, quando avisto,
vindo na direção contrária, um rosto conhecido, que custo um pouco a lembrar de
onde. É um rapaz, ao seu lado uma moça, que fecha o quebra-cabeça. É o casal inglês que conheci em San Francisco
e do qual me desencontrei, sem pegar telefone ou qualquer contato, impedindo
que nos encontrássemos novamente em NY. Chamo: “Joe”. Conversamos por uns 5
minutos, trocando impressões sobre a cidade. Numa cidade de 10 milhões de
pessoas, quais as chances de encontrá-los assim, por acaso? Muitas.
domingo, 26 de agosto de 2012
San Francisco (parte 5)
Volto a San
Francisco, minha cidade favorita até agora na viagem. Mas não é uma repetição.
De início, fico em outro albergue, em outra zona da cidade, e vejo coisas bem
diferentes. É como se fosse uma nova cidade, pois San Francisco parece esconder
várias outras cidades dentro de si, basta ter paciência e tato para
descobri-las.
Caminhadas
Casey
Caminho e
ouço um rapaz dizer: “Diego!”. Um conhecido? Não, na verdade ele disse “San
Diego!”, pois estou usando um boné de lá. Ele tem uma mochila grande nas costas
e parece um viajante. Não sei como o papo começa, mas logo fala sobre um livro
que leu. “Keep the river on your right”, que eu lembre. É sobre um cara,
americano, conta ele, que viajou para a Argentina e viveu com tribos
primitivas, que descobriu, mais tarde, serem canibais. Descobre, também, que
saqueiam e matam as tribos vizinhas, capturando suas mulheres e tudo o mais. Um
dia, uma das tribos vizinhas invade a sua, ele é poupado e, em meio a um
ritual, ele se vê comendo carne humana também. Menciono o livro “Into the Wild”,
lançado no Brasil como “Na natureza selvagem”. Ele diz que adora o livro, que
admira muito MacCandles, o biografado, por ter tido a coragem de abandonar tudo
e se livrar dos seus bens materiais. Diz que o filme, dirigido por Sean Penn, a
quem também admira, foi ótimo. Eu falo com Casey, um jovem americano que viveu
em várias cidades dos EUA. Sua mãe se mudou com ele e o irmão mais velho para
outra cidade pois estava cansada de apanhar do seu pai, que ele nunca mais viu.
Se empolga e, bem articulado, emenda um assunto no outro. Fala mais sobre a
experiência de inserir em outras culturas e absorver as diferenças.
Caminhamos
por vários quarteirões pela Market Street. Presto mais atenção ao seu aspecto,
que não é dos melhores. Tem manchas e cicatrizes nas mãos, e roupas sujas.
Penso se não vai me pedir alguma gorjeta em troca do seu entretenimento . Fala
do Brasil e em como tem vontade de conhecer o país um dia. Comenta que, em
viagem, não conhecemos as pessoas normais nas cidades, mas sempre os extremos,
sejam as pessoas mais amistosas ou as mais perigosas. Não posso deixar de
concordar. As cidades, para os viajantes, são sempre um pouco enganadoras, pois
se vive num mundo à margem. Já seguimos caminhando e conversando por 15
minutos. Lá pelas tantas, Casey para e diz: “Já passei do meu ponto há alguns
quarteirões, mas a conversa estava boa e não quis interromper. Antes de nos despedirmos, ele diz,
contrariando totalmente a minha expectativa: “Você precisa de alguma coisa?”, e
coloca a mão, meio indeciso, em uma
pequena bolsa que carrega. Olha minhas pulseiras, tira duas suas e me dá. “Pra
ter uma lembrança de San Francisco”, diz. Uma delas diz “Las Vegas”, a outra
“Tipsy”. Seguimos cada um nosso caminho.
Carolin
Saímos para uma longa caminhada. Nenhum de nós sabe, mas serão pelo menos 6 horas andando. Vamos para Golden Gate Park. O sobrenome dela é Teufel. Me diz que em alemão significa “Devil”. Na entrada do Golden Gate park, se você ficar parado por mais de 10 minutos, alguém certamente lhe abordará oferecendo maconha.No parque, tenho provas de que o meu perfeito senso de direção, do qual tinha certo orgulho, pois parecia ter uma bússola interna sempre me indicando onde é o Norte, está irremediavelmente avariado. Seguindo minhas indicações, damos voltas em círculos, nos perdendo várias vezes no enorme parque, até que depois de algumas horas desistimos de cruzá-lo e voltamos ao ponto inicial.
Digo que na volta podemos pegar um ônibus, pois será no mínimo mais uma hora de caminhada, e Carolin disse estar muito cansada. Ela diz que aguenta caminhar mais um pouco. Seguimos caminhando. No caminho, decido dar uma esticada até Japan Town. Não há nada de mais lá. Mesmo com um mapa nas mãos, cometo um erro absurdo e tomo a direita quando deveria virar à esquerda. Só percebo 10 quarteirões depois. Ou seja, são 20 quarteirões adicionados ao passeio gratuitamente. Carolin, cansadíssima, quase não acredita no meu erro. Toma o mapa das minhas mãos e diz que vai fazer o próprio caminho agora, fechando a cara. Sugiro uma ou outra alteração na rota de volta, que ela ignora. Caminhamos muito, subindo e descendo ladeiras. Eu tento apreciar a viagem, Carolin, séria, só quer chegar e tomar um banho. Chega ao albergue com uma cara de exausta. Diz que no dia seguinte quer ir a um certo museu. Minto que sei onde fica, e que posso levá-la até lá. Ele me olha e diz: Com você, não.
Ismos
Barbarismos
Uma galesa
cercada por um brasileiro, um americano e um alemão. Entediada, ela lança o
desafio: queda de braço entre os machos. Americano X Brasileiro. Apesar de o
brasileiro perder na queda de braço até pra mulher, e ter tido o pulso quebrado
no ano anterior, consegue resistir por vários segundos contra o americano, chegando
a pensar que este está apenas prolongando o sabor da vitória ao fingir
fraqueza. O ângulo indica favorecimento ao brasileiro. O olhar do americano, de
surpresa e esforço, é o anúncio desesperado da sua derrota. Brasileiro X
Alemão. Brasileiro vai cheio de confiança. Esgotado da batalha anterior, não
resiste por muito tempo, e logo vê as costas da sua mão beijando a fria mesa.
Alemão e Galesa unem as forças, sem embate.
Racismo
Dois
colegas de quarto são um casal inglês (Nordeste da Inglaterra, me diz ela,
confiando que não vou mesmo saber a cidade. “Sul do Brasil”, me vingo eu quando
me pergunta de onde sou. Ficarão ali por mais alguns dias e depois irão pra
Nova Iorque. Digo que também vou pra lá, no mesmo período que eles. No fim, com
desencontros, não os vejo mais nem pego contato nem nada. Nunca mais nos
veremos.
O outro
roommate é turco. Quieto, na dele. Ouve hip hop no computador sem fone de
ouvido, mas não crio caso. “Fucking Asians!”, diz ele, um dia, do nada, decerto
escutando Kanye West, ou 50 cent ou alguma merda dessas. Por quê, digo eu,
supreso. “Fucking Asians. So many damn Asians”, insiste. Eu digo que não
entendo o quen ele está querendo dizer. Agora é a vez dele de ficar surpreso,
pois para ele parece que a sua declaração prescinde de justificativas. Explica
que naquele dia chegaram muitos asiáticos no albergue. Não gosta deles. Não
gosta das mulheres asiáticas. Ainda de boca aberta com suas declarações,
retruco tentando disfarçar ao máximo o meu choque de ter um colega de quarto
abertamente racista (e ainda por cima racista com uma das minhas raças
favoritas!). Digo que essa noite vou apresentar a ele uma asiática. E que
depois disso ele vai acabar mudando de ideia. Ele só ri, para meu alívio.
À noite, o
mestre de cerimônias, anunciando a festa, revela que há um policial infiltrado
no albergue, e que na noite passada ele prendeu uma pessoa. Segundo ele, essa
pessoa resistiu à prisão e o policial teve que usar a força. Diz,
gargalhando, que assistiu ao vídeo da
prisão uma dúzia de vezes. Lá pelas tantas, ao querer descrever a cena, solta
um “Rodney King”.
Após,
descer do palco, sorrindo, é abordado por uma negra. “Eu preferiria que você
nunca mais usasse essa referência a Rodney King”, diz ela. Daí se segue um
curto debate cheio de ataques e defesas, com ele se defendendo da sua suposta
referência racista. Ele diz que ninguém se ofendeu. E ela, fazendo um largo
gesto com a mão, diz que não há qualquer outro negro entre as dezenas de
pessoas na sala. Ele volta ao palco, com a moça, e diz que há um mal entendido,
que por ter usado essa referência uma pessoa se sentiu ofendida. Ela pede que
ele explique quem foi Rodney King, pois muita gente pode não saber, afinal faz
14 anos e muita gente ali era criança na época. Ele responde, ainda no
microfone: “Alguém aqui se importa?”. Ela toma o microfone e explica o
episódio, afirmando que é por referências supostamente inocentes e jocosas como
a dele que se perpetua o racismo. Ela desce do palco e ele, em sua defesa, diz
que estudou numa escola de negros, sendo o único chinês, e que sabe como é, e
que os seus melhores amigos são todos negros. Ele a chama, e ela, a um canto da
sala, de costas, tomando café, o ignora. Uma moça, branca, se levanta e vai até
ela, colocando a mão em suas costas e falando algo. Ela não se move.
segunda-feira, 20 de agosto de 2012
Venice Beach
Foram três
horas de San Diego a Los Angeles. Peguei o famoso e clássico Greyhound,
companhia de ônibus que opera nos EUA desde os anos 20. O legal é que logo na
entrada tu tem todas as tuas malas revistadas, e um detector de metal é usado
pra ver se tu está portando algo ilegal. O cara achou uma tesoura na minha (ui)
necessaire, e depois encontrou outra maior na mochila. Falou com um suspiro:
“ahhh....” como se fosse do FBI e tivesse encontrado um dossiê pra matar o
presidente americano. O que eu posso fazer, eu preciso de tesouras na minha
vida. “Aquela tudo bem, mas esta....” E no fim concordo que eu transfira a
testoura grande para a mochila que vai no bagageiro, que ele também não quer
criar caso no meio da sua manhã tranquila de trabalho.
Chego em Los Angeles, ainda levarei
umas duas horas até chegar em Venice Beach. Mesmo depois de sessenta e poucos
minutos na cidade ainda não avistei nenhum branco. Onde será que eles se
escondem?
Chego na
casa do meu host. Josh. De novo, como os outros hosts, me deixa super à
vontade. E agora, depois de dois dias na casa dele, não sei se consigo passar
uma boa ideia do cara. Ele tem tipo a minha idade, mas sem a seriedade que se
espera de gente da minha idade. No seu perfil já anuncia que a casa é “420
friendly”. Em pouco tempo dá pra ver que Josh não se interessa por quem não
seja “cool”, sem nada pra contar, sem histórias pra dividir, sem coisas pra acrescentar.
Mas mesmo assim vai com a minha cara. A
princípio eu poderia ficar apenas duas noites, mas na segunda noite me chama e
diz: “Não sei quais são teus planos, mas tu é mais do que bem vindo pra ficar
mais tempo se quiser.”
O
apartamento fica num prédio de tijolos vermelhos construído nos anos 1920, hoje meio hippie
meio hipster, a uma quadra da praia, biclicletas retrô por tada a parte. É um
cara relax, mas o apartamento é arrumado, limpo e com um bom espírito artístico
(as paredes são decoradas com quadros e pôsteres). Josh não tem absolutamente
nada na sua geladeira. Ok, meia garrafa pequena de sprite. No congelador,
apenas gelo. “I’m not big on food”, ele esclarece. Ele se interessa por tudo, é curioso e consegue manter uma
conversa (com ideias originais) sobre qualquer assunto que apareça, e sabe
improvisar tiradas espirituosas com tudo o que acontece em volta. Assistimos a
v[arios epis[odios de Louie e falamos sobre ex-namoradas. Saímos na primera noite e me apresenta a night
life de Venice Beach. É muito pouco tempo, mas o cara já se comporta como um
amigo de longa data. Não vou contar todas as histórias que me contou (por
exemplo, como já foi preso 7 vezes em 3
países diferentes), mas só posso dizer que é um rapaz que se interessa por
qualquer coisa que cheire a novidade. Ele tem uma carteirinha pra comprar
maconha em lugares especializados, que vendem a erva com a desculpa de que é
para uso médico. Diz que já hospedeu mais de 100 pessoas pelo CS, e que eu fui
o primeiro brasileiro. Até agora tenho dado muita sorte com meus hosts.
domingo, 12 de agosto de 2012
San Diego
É uma pena
que não tenha muita coisa boa pra falar sobre San Diego.
Já havia
estado lá em 1999, há exatos 13 anos, e foi minha primeira experiência
internacional (Uruguai, tão parecido com o Rio Grande do Sul, não conta). Na
época fiquei deslumbrado com tudo, com o sol incessante, com a arquitetura, com
as cores, com os carros, com os diferentes refrigerantes disponíveis nas
vending machines, com os supermercados 24h, com os trolleys, com as pessoas.
Mas já sabia que, depois de morar um ano e meio no Canadá e ter viajado por
toda a costa oeste americana por três estados, San Diego não seria mais a mesma
coisa. A cidade cresceu, e eu também mudei.
A primeira
impressão da nova visita se dá pelo cheiro. Cheiro de urina, principalmente.
Desde a chegada à estação Santa Fe Depot, o odor de mijo parece estar
impregnado dentro da estação, fora dela, nas paredes, nas ruas, nas pessoas, no
ar. O cheiro me acompanha ainda dentro do trem e também no ônibus, onde embarcam
pessoas feias e malvestidas, que não lembro ter visto em tão grande número há
anos atrás. Ao caminhar pra casa, o cheiro finalmente esvanece, mas fica na
memória.
Aquilo que
parecia novidade agora é comum, e outros aspectos, comparados às outras
cidades, deixam a desejar. Por exemplo, o sistema de transporte. Poderia
enumerar aqui dez razões pelas quais San Diego tem disparado o pior sistema de
transporte público entre todas as cidades que já visitei na América do Norte.
Grande demora dos ônibus e trolleys, falta de conexão com outras linhas,
itinerários desnecessariamente longos, não há reaproveitamento de tíquetes
entre diferentes linhas (o que praticamente força o passageiro a comprar o
passe diário).
Há algumas
ciclovias, mas quase ninguém anda de bicicleta. San Diego não deixa dúvidas:
foi contruída para os carros. Se deslocar a pé, com exceção do Centro, é um
suplício. Há de se caminhar por várias quadras até que se chegue a um ponto
onde a travessia de pedestres é permitida. Em muitas ruas não há calçadas. A
falta de consideração com os que não são motoristas pode ser notada também
dentro dos ônibus. Espaços muito reduzidos entre os assentos não dão lugar para
as pernas, e o usuário deve sentar-se de lado (mesmo eu, que não sou nada alto:
1,73m).
San Diego
foi também uma quebra de ritmo na viagem. Reencontrei a mesma família que me
hospedou em 1999. Um casal de irmãos iranianos criados em Londres e já há
décadas nos EUA, Masoud e Minou. Na primeira vez fiquei na casa dele, agora na
confortável casa da irmã. Depois de dormir no chão, dividir quartos com até 12
pessoas, tomar banhos frios e comer pão velho com água no café da manhã, foi um
choque de conforto dormir numa cama macia com 4 travesseiros mais macios ainda
num quarto só pra mim (com TV a cabo que não cheguei a ligar), e uma oferta de
pães, bolos, geleias, sucos e frutas (figos, melancia, melão). Apreciei a hospitalidade, mas acho que me fez
mal, me deixando mais preguiçoso e reticente se deveria mesmo ficar tão à
vontade a ponto de ficar mal acostumado antes de seguir viagem (experimentei a
rede no vasto quintal apenas por 5 minutos).
Minou já
tem seus cinquenta e tantos e não é muito de sair à noite, então ficamos em
casa literalmente tomando chá (e às vezes uma taça de vinho branco gelado em
cálices bregas) e vendo TV. Ela gosta de falar, emenda um assunto no outro, religião,
Deus, comida, livros, Irã, fofocas, relacionamentos, maternidade, etc e tento não interromper. Digo que vou me
sentir mal se não puder ajudar na casa, e ela me leva a sério. No dia seguinte
já tenho uma lista de tarefas: botar a mesa do café da manhã, lavar a louça, levar o lixo, limpar o pátio, juntar as folhas secas, mover os vasos e mesas do
quintal, tirar as teias de aranha, preparar o jantar, fazer a mesa, lavar a
louça.
Os
programas com Minou são invariavelmente com gente mais velha que ela. Num
almoço de iranianos, a pessoa mais nova devia ter o dobro da minha idade.
Quando sabe que sou brasileiro, uma mulher começa a falar do passado, que
conheceu um brasileiro há muitos anos, que gostava muito dele, e que depois que
ele voltou para o Brasil perderam o contato, coisa que ela lamenta demais (está
lacrimejando?), pois não sabe se ele está vivo ou morto. A casa é do Dr. Taraz,
um senhor de 88 anos que Minou diz ser “um ser humano”, como se isso fosse o
maior elogio que alguém pode receber. É um geólogo que viajou o mundo e que
supostamente tem histórias pra contar. Me sento ao lado dele, na cabeceira da
mesa, ansioso para ouvir as tais histórias. As mulheres não param de me servir comida. Arroz, muito arroz. Se
soubessem o horror que tenho a arroz...Mas como fingindo satisfação. Termino com esforço, e me servem de mais arroz. Isso
deve ser um problema que afeta a visão das pessoas idosas, só pode: elas
enxergam as coisas mais estreitas do que são, e pra elas todos são magros
esqueléticos (que precisam de quantidades enormes de comida para ficarem
saudáveis novamente). Converso com o Dr. Taraz, mas não vejo a inteligência
toda com que Minou lhe atribui. Há alguns meses teve um derrame, e sua fala é
arrastada, os olhos são embaçados e vagos, como se estivesse permanentemente se
acordando, e ele se repete, e se repete, e se repete. Quando faço alguma
pergunta, em vez de responder e comentar, ele apenas repete o que já havia dito
antes. O ritmo de sua fala, associado à grande quantidade de arroz ingerido
durante o almoço (e depois ainda teve sobremesa e frutas e chá) me embalam no
sono. Em alguns minutos estarei no chão da sala, dormindo um longo e profundo
sono...
Na casa de
Minou mora também Barry, que aluga um quarto. Ele é ex-noivo da filha de uma
amiga de Minou. Quando ele estava procurando apartamento, Minou ofereceu o
quarto como presente de casamento, até que fossem morar juntos, o que lhe daria
boas chances de economizar uma grana. Nesse meio tempo, sua noiva terminou com
ele, mas Minou manteve a oferta. Mas ele fez questão de pagar. Barry é um
Marine, soldado que já foi pro Irã, Iraque e Afeganistão. Tem uma Harley-Davidson que passa meia hora
por dia polindo, e gosta de caçar veados. É um tipo meio tosco, de cabeça
quadrada, simples e com jeito de soldado perfeito: é um americano orgulhoso,
forte e burro. Ou seja, eu teria todos os motivos pra odiá-lo, senão pra
ignorá-lo. Mas o cara se mostra extremamente gentil com todos, amigável,
interessado, e sempre elogia a minha comida (não para mim, mas para os outros
que não tiveram a oportunidade de experimentar meu angu). E eu, que odeio as
guerras americanas e militares em geral, que já escrevi artigos contundentes
condenando a caça e os caçadores, me surpreendo ao me deparar com mais um dos
meus preconceitos sendo derrubado.
__________________________________
Minou teve
que viajar, então saí da casa dela e fui para um albergue. Logo na entrada,
vejo uma cara conhecida, é Ian, que conheci em San Francisco. Ele está chegando
ao mesmo tempo que eu e fica no mesmo quarto. No segundo dia chegam duas
inglesas. Não as reconheço, mas elas dizem que já me conheciam também do
albergue em San Francisco. No dia seguinte todos saem (ou foram embora ou
trocaram de quarto, cuja janela fica totalmente exposta aos barulhos dos bares
da rua até as duas da manhã. Chega uma argentina. Nancy. Ela fala mal inglês,
entende pouco, então me esforço para falar espanhol, coisa que nunca
experimentei fazer antes. Eu entendo 90% do que ela diz na sua língua, então
passo o resto do dia (vamos jantar e à noite a um bar) praticando meu ridículo
castelhano. Nancy mora na Patagônia, e diz que não há nada para se fazer lá,
que é um tédio total. Então à noite se pinta toda (com certo exagero para o meu
gosto, pois a maquiagem acrescenta alguns anos aos seus 29), põe um vestido
preto curto e diz: “Quiero bailar”. Ainda ficamos um tempo no albergue, jogando
“beer pong” em duplas e perdemos dois jogos. Vamos a um bar com música alta,
peço uma cerveja e me sento. Ela está inquieta, quer “bailar”. Ela convida para
ir a até a pista. E então começo a fazer aquilo que pra mim é um dos piores
constrangimentos que a condição humana já me impôs: dançar. Quer dizer, nenhuma
pessoa sã consideraria aqueles movimentos desengonçados e desritmados que faço algo que se poderia chamar de dança.
Fico no sacrifício por alguns minutos, esperando que ela se canse e me libere
da tortura moral a que sou submetido. Depois de tentar convencer a mim mesmo
por 20 minutos que ninguém estava prestando atenção em mim mesmo, consigo
relaxar um pouco e logo ouço, de Nancy: “Too close.” Finjo que não entendo, e
me aproximo mais, colocando a mão esquerda em suas costas (nuas pelo corte do
vestido), e a mensagem vem clara: “No me toques”. Retiro a mão, e vou buscar
mais uma cerveja, pra afogar a dupla humilhação.
domingo, 5 de agosto de 2012
Santa Barbara
Quanto mais
afastado fico de Vancouver, menos asiáticos eu vejo. No Green Tortoise só havia
uma chinesa professora de inglês e um grupo de três coreanos (duas moças e um
rapaz) que estão num projeto por várias cidades dos EUA, ou EEUUA, como gostam
de escrever os RRPP. A maior parte é de americanos, australianos, e alemães.
Estes provavelmente são os mais numerosos entre todas as nacionalidades. Num
jantar, me vi rodeado de alemães por todos os lados. Em Santa Barbara saio na
primeira noite com quatro alemães. Na segunda noite saio com dois alemães, um
rapaz e uma moça. Tenho vergonha de admitir que, apesar de ter um bisavô
alemão, sempre tive um persistente preconceito com tudo o que diz respeito à
Alemanha. A língua era a última que gostaria de aprender, o país o último que
gostaria de visitar no universo, sua cultura e suas gentes não me interessavam.
Sim, admito, cada alemão e alemã que eu já conheci na vida eu costumava
imaginar vestindo o uniforme da Gestapo.
No Canadá evitava os alemães, e creio que eles me evitassem também, o que era um arranjo do qual não podia reclamar. Mas nessa viagem foi praticamente impossível evitar os alemães ao longo do caminho. Ainda bem, pois se o fizesse não teria conhecido gente ótima, boa de papo, divertida e amigável ao extremo, como Berit, Michael e Jorg, que conheci em Santa Barbara. Alemães que me fizeram perder qualquer resquício de preconceito que eu pudesse ter com esse país e seus habitantes.
Já conhecia
Michael da primeira noite no hostel, quando saímos com outros três alemães. Nos
preparando para sair de novo, conhecemos o largo e falastrão Jorg, que conversa
no lobby com duas moças suíças, falando alto e gargalhando mais alto ainda, sempre
das suas próprias piadas. No nosso quarto chega Berit, uma moça com cara de
inocente e de sorriso bonito. A convidamos achando que vai declinar, pois está
com cara de cansada (dirigiu a tarde inteira), mas diz: “Why not?”. Na hora de
sairmos, chega uma moça com uma embalagem de isopor, perguntando se estamos com
fome, pois tem algumas sobras do jantar. Jorg imediatamente se interessa pelo
conteúdo, e fica feliz ao saber que é costela e batatas. O bávaro pega a caixa e
nos segue comendo avidamente com as mãos lambuzadas de gordura, que limpa na camisa xadrez.
Diante das inúmeras opções da State Street, a
rua comercial da cidade e única com vida noturna, sugiro fazermos um bar crawl,
pulando de lugar em lugar. Jorg diz que quer tomar um gole de vinho, mas sugiro
um bar chamado Whiskey Richards. É diferente do bar de turistas a que fomos na
noite anterior, cheio de gente bronzeada e bonita, como convém a uma cidade
praiana no verão. Neste outro, o povo é mais heterogêneo: gente tatuada, punks,
velhos, mulheres oxigenadas. Mesas de sinuca, cartazes de bandas de rock. Uma
banda se prepara para tocar no pequeno palco ao fundo. Ficamos no balcão. Jorg,
conversador, fica de papo com um cara ao lado dele. Pede um vinho branco.
Alerta que entende da coisa, pois trabalha fazendo vinho. Fico atento ao seu primeiro
gole: ele comprime o rosto e fecha os olhos, como se tivesse tomado mijo azedo
e diz pra bartender: esse vinho não é bom. Ela se desculpa e serve outro; e ele
repete a expressão de desagrado anterior: esse também não é bom, ele diz. Ela
está pronta pra recolher o copo, e ele diz: mas vou tomar mesmo assim. Ficamos
conversando eu, Berit e Michael, enquanto ele continua falando com o cara ao
lado. Lá pelas tantas ele se vira pra gente, com uma cara de surpreso e diz:
“Isso é um bar gay!”. Olhamos em volta, para a decoração e para as pessoas, e
discordamos. Ele insiste: Bom, talvez em dia de semana não, mas é
definitivamente um bar gay. Explica: o cara ao lado estava dando em cima dele. Michael
diz: não é um bar gay, talvez só esse cara seja gay. Jorg fala que é incrível como gays dão em cima
dele, que na primeira vez que isso aconteceu ele tinha catorze anos. Ele disse
que falou pro cara: “Eu tenho 14 anos!”, e o cara, “eu acho que eu posso
esperar dois anos”. Berit brinca que talvez seja hora de ele reconsiderar.
Discutimos se é mais fácil para gays conhecerem alguém num bar do que heteros,
no que acredito. Berit diz que acha que não, que é a mesma coisa, a não ser que
eu esteja falando de sexo, aí sim. Claro que estou falando de sexo, eu digo. Ah,
então está falando do mais importante, diz ela. Berit mora na Alemanha e namora
um espanhol que mora na Irlanda, e que pretende morar junto com ela ano que
vem. Digo que não recomendo isso pra ninguém, mas que pode funcionar e que não
tem como saber se não experimentar. Olho para o lado e vejo que Jorg voltou a
conversar com o cara que deu em cima dele. Nos entreolhamos e Michael diz com
uma piscadela: “Talvez seja melhor deixarmos eles sozinhos”. A banda começa a
tocar muito alto e não conseguimos mais conversar, então partimos para o
segundo.
De novo,
Jorg pede vinho, depois de pedir várias amostras até achar um que é passável,
segundo ele. Antes de irmos para o terceiro bar, ele diz que não pode mais, que
ficou cansado e precisa ir pra casa. No terceiro bar, quase vazio depois da uma
da manhã, não temos tempo de terminarmos a cerveja que acabou de chegar: o bar
está fechando e precisamos sair imediatamente.
Pergunto ao garçom se nos pode dar copos plásticos para levarmos e ele
responde: “That would be illegal”. A única opção, se quisermos, é ir numa loja
de conveniência, o 7-Eleven. Berit insiste pra irmos, mesmo que seja longe
dali. Custamos a achar o lugar. O limite para venda de bebidas alcoólicas é 2
da manhã. São 1:58 quando compramos a nossa. A dupla que chega depois da gente, às 2:02, insiste com o caixa, mas não, ele não pode vender álcool depois das duas. Como no hostel é proibido beber,
sugiro irmos para a praia, onde, de todo modo, também é proibido. Bebemos no
escuro, sempre de olho na polícia. Passados quinze minutos, avistamos um carro de faróis e uma luz no
topo acesos no cais, ele se vira na nossa direção, a uns 200 metros, e começa a
vir devagar. Pego as três garrafas abertas, ainda cheias, esvazio o conteúdo e
as enterro na areia. Portar bebida fechada não é proibido. Quando o carro chega
a uns 5 metros da gente, quase parando, já imagino a cena: checagem de
documentos, multa pesada, seguida de prisão e deportação imediata, tudo o que
eu preciso na minha última noite em Santa Barbara. Mas o carro passa reto, vai
para a rua e some.
Avistamos
um grupo tocando violão e cantando: 6 suíças e 4 alemães. Nos juntamos mas não
somos muito bem recebidos, mesmo assim continuamos ali por mais uma hora.
Berit, alegre, me abraça, beija no rosto, e dá cutucões quando faço alguma
piada. Faz o mesmo com Michael. Ambos dizem que vão para o Brasil e ficarão na minha casa na Copa do
Mundo. Digo que todo mundo fala isso, então ela escreve a declaração num papel,
o qual é assinado pelos dois.
Na volta
para o albergue, sugiro um teste para avaliarmos o nível etílico de cada um: dar
dez passos se equilibrando sobre o trilho do trem. Michael vai até o fim e
comemora. Eu dou sete rápidos passos e caio fora do trilho. Berit dá quatro e
cai no chão feio, torcendo o tornozelo (que na manhã seguinte ficará do tamanho
de uma bola de golfe). Hora de nos recolhermos. Vamos pra casa nos revezando na
tarefa de segurar a já cambaleante Berit.
San Francisco (parte 4) - Argentinos
Durante o café da manhã, Egidio se aproxima da
minha mesa, sério, e cochicha, “Viu, há argentinos aqui. Não vai brigar com
eles?” Ah, é?, digo eu. Não tenho nada contra eles. “Eu sei”, responde Egidio
antes de reencher a cesta de bagels.
Pela tarde,
digitando, minha bateria dá sinais de estar no fim. Vou até uma mesa ocupada apenas por mochilas perto das tomadas
para poder recarregar. Logo os donos das mochilas voltam, e peço desculpas pela
invasão do seu espaço. Que nada, dizem. De onde são? “Argentina”. “Ah, então
são vocês os argentinos? Já tinham me falado”. Perguntam se falo castelhano.
(Lembro do comentário de uma amiga colombiana
quando tentei falar espanhol com ela: “Parece um mexicano
bêbado”).“Comprendo un poco, pero no hablo”, então seguimos falando inglês. São
Lucas e Natalia, de Córdoba, já viajaram pelo Brasil e sabem onde fica Porto
Alegre. Falamos sobre a estúpida e artificial rivalidade Brasileiros X
Argentinos. Natalia diz que adora o Brasil e os brasileiros e Lucas me garante
que nunca ouviu um argentino dizer que odeia
brasileiros. Lucas, porém, diz
que os argentinos de Buenos Aires sim não prestam e se acham melhores que os
outros.
Estão
viajando de carro, e viajam também para o sul da costa oeste, com planos de
visitar alguns parques nacionais no caminho. Vamos embora de San Francisco no
mesmo dia, e depois de 15 minutos de conversa me convidam pra ir com eles. É
tentador, mas já havia feito outros planos e nossos itinerários não batem, então declino a oferta.
terça-feira, 31 de julho de 2012
San Francisco (parte 3) Egidio, o chefe italiano sósia de Frank Zappa
Egidio, o
chefe italiano sósia de Frank Zappa
Egidio é
uma figuraça. Magro e nariz comprido, cavanhaque e bigode muito pretos, lembra
o guitarrista americano Frank Zappa. Estava sozinho no salão, no meu primeiro dia,
aguardando o check in abrir, quando ele passou por mim, puxou papo. “De Porto
Alegre?”, diz ele. “É gaúcho!, eu também sou gaúcho!”, tentando me convencer
que era brasileiro. “Somos os dois únicos gaúchos aqui”, me apontando um grande
quadro acima da entrada da cozinha “Taqueria GAUCHO’S”.
E gídio é
de Roma e está fora da Itália há anos, pulando de lugar em lugar. Veio a San
Francisco e ficou hospedado no Green Tortoise na primeira vez. Depois voltou
mais meia dúzia de vezes, sempre ficando lá, até que um dia substituiu o cozinheiro, foi
contratado e não saiu mais. Na sua cozinha há fotos de Fran Zappa espalhadas
pelas paredes e portas. Ele diz que não é tão fã assim de Frank Zappa, é só
coincidência o similaridade. Enquanto cozinha e limpa escuta rock antigo, como
Kiss, Led Zeppelin, AC~DC. Durante um café da manhã ele sobe no palco para
pedir que não desperdicem comida, pois muita gente se serve demais e acaba
jogando fora bagels inteiros. Quando está de bom humor, canta, normalmente em
espanhol ou italiano.
Três vezes
por semana há jantar grátis no albergue, e os hóspedes são bem-vindos se
quiserem ajudar na cozinha. Me interessei, mas como não gostaria de ter que
lidar com carne, me esquivei. O menu foi comida mexicana: guacamole, tortillas,
salsa picante, feijão refrito, feijão normal
e salada. Tudo ótimo, e sem carne.
Então na
segunda noite de jantar me voluntariei. O tema era comida indiana: curry
picante de grão de bico e curry de vegetais. Mais 4 ou 5 pessoas estão lá. Tive
tarefas variadas: cortei inhame em cubos, lavei toda a louça usada para a
preparação dos alimentos, e fiquei responsável por mexer o curry de vegetais
enquanto ele vinha adicionar mais ingredientes. Depois de uma hora mexendo a
colher de ferro, ganhei um belo calo. A comida estava totalmente excelente. Mas
o mais impressionante foi o talento de Egidio em reger a cozinha, dividindo as
tarefas de acordo com seu feeling, pois cada um ali tem níveis de habilidade
culinária diferentes (notei que os menos experientes lidam apenas com a salada). O jantar é sempre um evento. Cerca de 60 ou
70 pessoas no salão. Antes de servirmos a mesa,
alguém chama os nomes dos voluntários para agradecer pela participação, até que se cite Egidio,
aplaudido sempre no final.
Entre esse
jantar e o outro, me acostumo a ajudar pela cozinha: lavando pratos, preparando
o salão, recolhendo as bandejas de comida no final, e assim vou conversando
mais com Egidio, que me diz que sou como ele, e que deveria era ficar na
cidade, sugerindo que eu deveria ficar de olhos abertos para as oportunidades.
Quando
chego para ajudar no meu segundo jantar (comida italiana), há menos
voluntários, portanto mais trabalho. Como já estou com mais intimidade com a
cozinha, tudo flui melhor. Fazemos penne com molho de tomate e legumes, e pão
com alho. Apenas para o pessoal da cozinha, fazemos bruschetta. Uma mulher toca
pela quinquagésima vez fur Elise ao piano. Egidio quase perde a paciência,
dizendo que vai pedir pra ela parar. O trabalho é contínuo, cortar tomates em
cubos para o molho, cortar tomates em pedacinhos para a bruschetta, cortar
cebola, lavar panelas, facas e talheres, cortar os pães, colocar os pães no
forno, fazer a mesa, abrir latas, misturar a massa com o molho, etc, mas o
ambiente é relaxado e divertido, com um
alemão, um catalão, francesa e um brasileiro sendo guiados por um chef
italiano. Ganho calos e uma queimadura que devo levar de recordação, mas vale
muito a pena a experiência de ajudar a cozinhar pra dezenas de pessoas.
No dia em
que vou embora, Egidio se senta à minha mesa com papel e caneta nas mãos e diz
que vai me escrever “una lettera”. É a receita de curry de grão de bico que lhe
pedi no dia anterior.
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