Quanto mais
afastado fico de Vancouver, menos asiáticos eu vejo. No Green Tortoise só havia
uma chinesa professora de inglês e um grupo de três coreanos (duas moças e um
rapaz) que estão num projeto por várias cidades dos EUA, ou EEUUA, como gostam
de escrever os RRPP. A maior parte é de americanos, australianos, e alemães.
Estes provavelmente são os mais numerosos entre todas as nacionalidades. Num
jantar, me vi rodeado de alemães por todos os lados. Em Santa Barbara saio na
primeira noite com quatro alemães. Na segunda noite saio com dois alemães, um
rapaz e uma moça. Tenho vergonha de admitir que, apesar de ter um bisavô
alemão, sempre tive um persistente preconceito com tudo o que diz respeito à
Alemanha. A língua era a última que gostaria de aprender, o país o último que
gostaria de visitar no universo, sua cultura e suas gentes não me interessavam.
Sim, admito, cada alemão e alemã que eu já conheci na vida eu costumava
imaginar vestindo o uniforme da Gestapo.
No Canadá evitava os alemães, e creio que eles me evitassem também, o que era um arranjo do qual não podia reclamar. Mas nessa viagem foi praticamente impossível evitar os alemães ao longo do caminho. Ainda bem, pois se o fizesse não teria conhecido gente ótima, boa de papo, divertida e amigável ao extremo, como Berit, Michael e Jorg, que conheci em Santa Barbara. Alemães que me fizeram perder qualquer resquício de preconceito que eu pudesse ter com esse país e seus habitantes.
Já conhecia
Michael da primeira noite no hostel, quando saímos com outros três alemães. Nos
preparando para sair de novo, conhecemos o largo e falastrão Jorg, que conversa
no lobby com duas moças suíças, falando alto e gargalhando mais alto ainda, sempre
das suas próprias piadas. No nosso quarto chega Berit, uma moça com cara de
inocente e de sorriso bonito. A convidamos achando que vai declinar, pois está
com cara de cansada (dirigiu a tarde inteira), mas diz: “Why not?”. Na hora de
sairmos, chega uma moça com uma embalagem de isopor, perguntando se estamos com
fome, pois tem algumas sobras do jantar. Jorg imediatamente se interessa pelo
conteúdo, e fica feliz ao saber que é costela e batatas. O bávaro pega a caixa e
nos segue comendo avidamente com as mãos lambuzadas de gordura, que limpa na camisa xadrez.
Diante das inúmeras opções da State Street, a
rua comercial da cidade e única com vida noturna, sugiro fazermos um bar crawl,
pulando de lugar em lugar. Jorg diz que quer tomar um gole de vinho, mas sugiro
um bar chamado Whiskey Richards. É diferente do bar de turistas a que fomos na
noite anterior, cheio de gente bronzeada e bonita, como convém a uma cidade
praiana no verão. Neste outro, o povo é mais heterogêneo: gente tatuada, punks,
velhos, mulheres oxigenadas. Mesas de sinuca, cartazes de bandas de rock. Uma
banda se prepara para tocar no pequeno palco ao fundo. Ficamos no balcão. Jorg,
conversador, fica de papo com um cara ao lado dele. Pede um vinho branco.
Alerta que entende da coisa, pois trabalha fazendo vinho. Fico atento ao seu primeiro
gole: ele comprime o rosto e fecha os olhos, como se tivesse tomado mijo azedo
e diz pra bartender: esse vinho não é bom. Ela se desculpa e serve outro; e ele
repete a expressão de desagrado anterior: esse também não é bom, ele diz. Ela
está pronta pra recolher o copo, e ele diz: mas vou tomar mesmo assim. Ficamos
conversando eu, Berit e Michael, enquanto ele continua falando com o cara ao
lado. Lá pelas tantas ele se vira pra gente, com uma cara de surpreso e diz:
“Isso é um bar gay!”. Olhamos em volta, para a decoração e para as pessoas, e
discordamos. Ele insiste: Bom, talvez em dia de semana não, mas é
definitivamente um bar gay. Explica: o cara ao lado estava dando em cima dele. Michael
diz: não é um bar gay, talvez só esse cara seja gay. Jorg fala que é incrível como gays dão em cima
dele, que na primeira vez que isso aconteceu ele tinha catorze anos. Ele disse
que falou pro cara: “Eu tenho 14 anos!”, e o cara, “eu acho que eu posso
esperar dois anos”. Berit brinca que talvez seja hora de ele reconsiderar.
Discutimos se é mais fácil para gays conhecerem alguém num bar do que heteros,
no que acredito. Berit diz que acha que não, que é a mesma coisa, a não ser que
eu esteja falando de sexo, aí sim. Claro que estou falando de sexo, eu digo. Ah,
então está falando do mais importante, diz ela. Berit mora na Alemanha e namora
um espanhol que mora na Irlanda, e que pretende morar junto com ela ano que
vem. Digo que não recomendo isso pra ninguém, mas que pode funcionar e que não
tem como saber se não experimentar. Olho para o lado e vejo que Jorg voltou a
conversar com o cara que deu em cima dele. Nos entreolhamos e Michael diz com
uma piscadela: “Talvez seja melhor deixarmos eles sozinhos”. A banda começa a
tocar muito alto e não conseguimos mais conversar, então partimos para o
segundo.
De novo,
Jorg pede vinho, depois de pedir várias amostras até achar um que é passável,
segundo ele. Antes de irmos para o terceiro bar, ele diz que não pode mais, que
ficou cansado e precisa ir pra casa. No terceiro bar, quase vazio depois da uma
da manhã, não temos tempo de terminarmos a cerveja que acabou de chegar: o bar
está fechando e precisamos sair imediatamente.
Pergunto ao garçom se nos pode dar copos plásticos para levarmos e ele
responde: “That would be illegal”. A única opção, se quisermos, é ir numa loja
de conveniência, o 7-Eleven. Berit insiste pra irmos, mesmo que seja longe
dali. Custamos a achar o lugar. O limite para venda de bebidas alcoólicas é 2
da manhã. São 1:58 quando compramos a nossa. A dupla que chega depois da gente, às 2:02, insiste com o caixa, mas não, ele não pode vender álcool depois das duas. Como no hostel é proibido beber,
sugiro irmos para a praia, onde, de todo modo, também é proibido. Bebemos no
escuro, sempre de olho na polícia. Passados quinze minutos, avistamos um carro de faróis e uma luz no
topo acesos no cais, ele se vira na nossa direção, a uns 200 metros, e começa a
vir devagar. Pego as três garrafas abertas, ainda cheias, esvazio o conteúdo e
as enterro na areia. Portar bebida fechada não é proibido. Quando o carro chega
a uns 5 metros da gente, quase parando, já imagino a cena: checagem de
documentos, multa pesada, seguida de prisão e deportação imediata, tudo o que
eu preciso na minha última noite em Santa Barbara. Mas o carro passa reto, vai
para a rua e some.
Avistamos
um grupo tocando violão e cantando: 6 suíças e 4 alemães. Nos juntamos mas não
somos muito bem recebidos, mesmo assim continuamos ali por mais uma hora.
Berit, alegre, me abraça, beija no rosto, e dá cutucões quando faço alguma
piada. Faz o mesmo com Michael. Ambos dizem que vão para o Brasil e ficarão na minha casa na Copa do
Mundo. Digo que todo mundo fala isso, então ela escreve a declaração num papel,
o qual é assinado pelos dois.
Na volta
para o albergue, sugiro um teste para avaliarmos o nível etílico de cada um: dar
dez passos se equilibrando sobre o trilho do trem. Michael vai até o fim e
comemora. Eu dou sete rápidos passos e caio fora do trilho. Berit dá quatro e
cai no chão feio, torcendo o tornozelo (que na manhã seguinte ficará do tamanho
de uma bola de golfe). Hora de nos recolhermos. Vamos pra casa nos revezando na
tarefa de segurar a já cambaleante Berit.
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