quarta-feira, 22 de junho de 2011

Vancouver Riot 2011 - Especulacoes

Um conhecido colunista de Vancouver escreveu que "a cidade perdeu a inocencia em uma noite de junho" e que "foram expulsos do Jardim do Eden", e que as coisas nunca mais serao as mesmas, "foi bom enquanto durou".


E depois de tudo o que aconteceu fica dificil de engolir certos comentarios, como o de que a violencia da ultima quarta-feira foi "coisa de terceiro mundo". Engracado que nunca vi coisa parecida em Porto Alegre. Outros escreveram nos murais um recado aos vandalos: "Go back to Surrey [bairro de imigrantes pobres]". Acontece que, como a policia apurou, quem promoveu a destruicao nao foram os pobres nem os imigrantes terceiro-mundistas, mas o povo canadense bem educado e bem nutrido. E ai esta o choque que muitos nao querem admitir. A maioria prefere continuar achando que meia duzia de pessoas lideraram os ataques, sendo que milhares de pessoas se envolveram espontaneamente. E dai voce se pergunta por que um povo que supostamente tem tudo (inclusive um bom time de hoquei) de uma hora para outra vira uma turba de barbaros ensandecidos.


Agora que a poeira ja baixou da pra fazer algumas especulacoes.
Logo que se chega em Vancouver da pra perceber que e' uma cidade onde as coisas funcionam. Transporte publico eficiente, limpeza das ruas, respeito ao pedestre e ao ciclista, nao ha caes nem criancas abandonados, e muitas coisas que um brasileiro pode invejar. Mas toda essa organizacao tem um preco. E agora parto para a minha psicologia barata de boteco fedorento para explicar em parte o comportamento das pessoas.


No Canada e nos EUA o povo adora repetir que vive em um "pais livre". "This is a free country!", gritam orgulhosos. E ai' esta o primeiro erro, pois se visitassem o Brazil, por exemplo, saberiam que a liberdade das pessoas pode ser muito maior. Acontece que, para que a ordem seja mantida, milhares de pequenas regrinhas devem ser seguidas: nao se pode atravessar a rua com sinal fechado ($50), nao se pode andar com um cachorro sem coleira ($200), nao se pode jogar certos tipos de lixo nas lixeiras de parques ($2mil), nao se pode ficar parado do lado esquerdo dos degraus de uma escada rolante, nao se pode falar alto no onibus ou no metro, nao se pode tomar uma lata de cerveja na rua (sera interrogado por um policial), nao se pode beber alcool na presenca de menores de idade, nao se pode entrar em um bar a noite ou comprar bebida sem apresentar pelo menos dois documentos de identidade (mesmo que voce obviamente tenha mais que 19 anos), nao se pode sinalizar para o garcom ou garconete (deve-se esperar ate que ela venha perguntar se voce precisa de algo). E tem muito mais. No meu predio, exemplo, eu nao posso entrar sem abrir o portao com a chave ou alguem abrir para mim pelo interfone. Outro dia entrei aproveitando que alguem saiu e a pessoa me impediu de entrar, mesmo eu dizendo que era um morador. A explicacao que ele me deu? Um perfeitamente logico e estupido "It's the rules!" Se, de uma pilha de jornais gratuitos, eu pegar um apenas para ler a capa, nao posso devolver para a pilha, e sim coloca-lo no lixo (na lixeira apropriada para jornais, claro). Os atendentes de qualquer estabelecimento tem que dizer palavras simpaticas (mesmo que estejam deprimidos ou em um pessimo dia), soando com a espontaneidade de um boneco de madeira. Possivelmente esqueci de algumas outras regras, mas acho que ja deu para se ter uma ideia da falsa liberdade em que os canadenses vivem.


Nao estou dizendo que essas coisas sejam necessariamente ruins, pelo contrario, sao boas para varios aspectos da convivencia social, mas sao acoes que limitam a liberdade, sao restricoes que, se somadas, oprimem, pois muitas vezes sao ordens obedecidas automaticamente, sem qualquer reflexao. E nao tenho duvida que micro vontades de nao obedece-las ficam escondidas em algum lugar do inconsciente, para um dia jorrarem violentamente, como no dia 15 de junho de 2011. O brasileiro desobedece e transgride regras diariamente, sem dor e sem culpa, ficando afastado, ao menos coletivamente, desse tipo de explosao social.


Abaixo, mais fotos:













Um comentário:

  1. Momento histórico hem, coisa louca.... E concordo com sua filosofia de bar, bem isso...

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